É o que chamamos de síndrome do melanoma familiar”, explicou a dermatologista Susana Puig, do Hospital Clinic Barcelona, na Espanha.
Puig lidera um grupo de pesquisadores da América Latina ligados ao GenoMEL, consórcio internacional com sede na Inglaterra que tem como objetivo identificar mutações que aumentam a propensão a esse tipo de câncer e estabelecer protocolos para o acompanhamento de pacientes de alto risco.
“Além do histórico familiar, existem outros fatores que usamos como marcadores para medir o risco. Pessoas com mais de cem pintas ou com pintas consideradas atípicas, ou seja, bordas irregulares e mais de uma cor, são mais propensas a desenvolver a doença”, disse Puig.
Se, além dessas características, o paciente tiver histórico anterior de melanoma, a probabilidade de ter um novo tumor é 500 vezes maior que a de uma pessoa comum. Se ainda por cima seu teste genético for positivo para uma das mutações já conhecidas, afirmou Puig, a probabilidade é mil vezes maior.
“Esses pacientes de alto risco, se não forem identificados e adequadamente tratados, poderão morrer de melanoma . Mas, com o diagnóstico precoce, podemos praticamente zerar a mortalidade”, afirmou.
Segundo o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Gilles Landman, as chances de cura de um melanoma com até 1 milímetro (mm) de profundidade são de 90%. “Mas, nos casos em que a lesão é diagnosticada com mais de 4 mm, 50% dos pacientes morrem nos primeiros cinco anos”, disse.
Em 2007, quando ainda trabalhava no Hospital A.C. Camargo, Landman foi convidado pelo GenoMEL para coordenar no Brasil as investigações sobre melanoma familiar. “O consórcio já vinha pesquisando as mutações genéticas na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália e também queriam conhecer o perfil genômico dos pacientes da América Latina”, contou.
Com financiamento da FAPESP, por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, Landman montou um grupo com profissionais de diversas especialidades, reuniu 50 famílias com características da síndrome do melanoma familiar e coordenou o sequenciamento genético desse grupo.
“Selecionamos pacientes em tratamento para melanoma que tinham pelo menos mais um familiar de primeira ou segunda geração com a doença. Também foram incluídos pacientes com histórico familiar de câncer de pâncreas, cérebro ou melanoma ocular, tumores associados à síndrome”, contou Landman.
Além disso, foram incluídos casos de melanomas múltiplos, mesmo sem histórico da doença na família. “Quando uma pessoa desenvolve vários tumores, as chances de possuir uma mutação que a torna mais suscetível à doença são grandes”, disse o pesquisador.
Desvendando os genes
Segundo Puig, já foram descritas cinco mutações genéticas relacionadas à síndrome do melanoma familiar, mas os cientistas acreditam que deve haver muitas outras ainda desconhecidas e pouco frequentes.
“Entre as alterações conhecidas, a mais importante é a que ocorre no gene CDKN2A. Ela atinge cerca de 10% a 15% das famílias com mais de dois casos de melanoma. O índice sobe para 25% quando há mais de três casos na família, para 50% em famílias com quatro casos e para 70% em famílias com pelo menos cinco casos”, contou Puig.
A investigação coordenada por Landman tinha como principal objetivo medir a frequência dessa mutação no grupo de pacientes com melanoma familiar. “Esse gene codifica uma proteína chamada P16, que tem como função bloquear a proliferação celular. Quando essa proteína está mutante, deixa de cumprir seu papel adequadamente”, explicou o pesquisador.
Entre as 50 famílias estudadas, apenas nove apresentaram a mutação no gene CDKN2A. Oito casos foram detectados entre os 32 pacientes com histórico de melanoma na família e um entre os 18 pacientes com melanoma múltiplo.
“Isso mostra que o problema é muito mais complexo do que parece. Precisamos estudar muito ainda para descobrir os outros genes envolvidos”, avaliou Landman.
Após o término do sequenciamento, o Hospital A. C. Camargo decidiu continuar o trabalho com melanoma familiar e criou o primeiro ambulatório do país específico para atender pacientes com esse perfil.
“Além dessas 50 famílias, que continuam conosco, localizamos outras 68 com a síndrome. Fazemos o acompanhamento do portador de melanoma e de seus familiares, principalmente os de primeiro grau”, disse Bianca Sá, coordenadora do ambulatório.
Os atendidos têm de responder a um questionário relatando o histórico de exposição solar e os casos de câncer na família. Além disso, têm todas as pintas do corpo mapeadas e fotografadas. “Pelo menos uma vez por ano eles devem voltar para refazer o exame, tirar novas fotos e comparar com as anteriores”, contou Sá.
O teste que identifica a mutação no gene CDKN2A, padronizado durante a pesquisa do GenoMEL, também está disponível no hospital mediante pagamento, mas seu uso fora do contexto de pesquisa ainda é controverso.
“O grande questionamento é: em que o resultado vai mudar a vida do paciente? Pessoas com melanoma têm de ser acompanhadas de perto, pois o risco de um novo tumor é grande. O seguimento para elas, portanto, não mudaria muito. Talvez fosse interessante testar seus filhos. Caso dê positivo, ficariam mais orientados a se prevenir”, avaliou Sá.
Mas como ainda há mutações desconhecidas, ponderou Landman, um resultado negativo não significa que a pessoa não seja portadora da síndrome.
“Além disso, esse gene não tem o que chamamos de penetrância completa. Isso significa que apenas 67% dos portadores da mutação vão desenvolver melanoma antes dos 80 anos. Não são todos. Não sei se é adequado deixar o paciente na dúvida”, disse.
Por Karina Toledo
Agência FAPESP