A descoberta, publicada na revista New Phytologist, abre caminho para o desenvolvimento de novas drogas capazes de combater a doença de forma efetiva.
Causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa, a vassoura-de-bruxa tem esse nome porque deixa os ramos do cacaueiro secos como uma vassoura velha. As áreas afetadas não conseguem realizar fotossíntese e, para piorar, liberam substâncias tóxicas que diminuem a produção de frutos. Os poucos frutos produzidos se tornam inviáveis para a fabricação de chocolate.
“Na fase inicial da infecção, a planta tenta deter a ação do invasor liberando grandes quantidades de óxido nítrico (NO), substância capaz de bloquear a cadeia respiratória do fungo. Mas descobrimos que a vassoura-de-bruxa possui um mecanismo alternativo de respiração que lhe permite resistir a esse ataque”, explicou Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, coordenador do Laboratório de Genômica e Expressão da Unicamp, onde a pesquisa foi conduzida.
Ironicamente, a própria planta acaba sofrendo os efeitos tóxicos do NO. Os galhos infectados morrem e viram banquete para a M. perniciosa. “O fungo tem uma fase biotrófica, na qual vive dentro da planta ainda viva, e outra necrotrófica, em que se alimenta do tecido morto”, disse Pereira.
A equipe coordenada pelo pesquisador descobriu que, durante a fase biotrófica, quando está sob o ataque da planta, a vassoura-de-bruxa produz uma enzima chamada oxidase alternativa. Essa proteína lhe permite gerar uma quantidade mínima de energia e garante sua sobrevivência.
“Nesse período o fungo praticamente não cresce, pois a energia disponível é pequena, mas ele consegue resistir ao ataque”, disse Pereira.
Quando a planta finalmente dá a batalha por vencida, envia sinais para as células do galho infectado se suicidarem – processo conhecido como apoptose. Como o óxido nítrico deixa de ser liberado, o fungo desliga o mecanismo alternativo de respiração e entra na fase necrotrófica, passando a devorar vorazmente o tecido morto.
Em duas frentes
Os cientistas tiveram então a ideia de testar uma combinação de princípios ativos – azoxistrobina e ácido salicil-hidroxâmico – capazes de inibir simultaneamente os dois mecanismos respiratórios da praga.
“Observamos que quando a respiração principal é bloqueada pela azoxistrobina e a respiração alternativa se mantém, o fungo permanece na fase biotrófica. Mas, quando combinamos essa droga com um inibidor da oxidase alternativa, o fungo cessa completamente seu crescimento”, contou Pereira.
Embora tenha se mostrado promissora nos testes de laboratório, essa combinação de moléculas não pode ser usada como um fungicida comercial. “A fórmula é altamente instável e se degrada com facilidade. E isso inviabiliza o uso no campo”, disse.
A equipe agora trabalha, em parceria com a fabricante de defensivos agrícolas Ihara, para achar uma molécula com ação semelhante e capaz de se manter estável por longos períodos de prateleira.
“Temos a oportunidade de criar um produto realmente eficaz para fungos tropicais. Hoje não existe fungicida assim em nenhum lugar do mundo. É algo de grande importância tecnológica”, avaliou Pereira.
Os pesquisadores estão testando a mesma combinação de moléculas capaz de bloquear a enzima oxidase alternativa contra outras espécies de fungos tropicais, como a ferrujem da soja e do café. “Os resultados em laboratório indicam que estamos na direção certa”, disse.
Realizada com financiamento da FAPESP, a pesquisa faz parte do projeto de doutorado de Daniela Thomazella e Paulo Teixeira , e está sendo realizada no âmbito do Projeto Temático "Estudo integrado e comparativo de três doenças fúngicas do cacau – vassoura-de-bruxa, monilíase e mal do facão – visando à compreensão de mecanismos de patogenicidade para o desenvolvimento de estratégias de controle", coordenado por Pereira..
Os esforços brasileiros para elucidar o mecanismo de ação da doença que há mais de duas décadas afeta drasticamente a produção de cacau no Brasil começaram por volta do ano 2000, com o mapeamento do genoma da M. perniciosa.
Quando chegou ao sul da Bahia, em 1989, provavelmente vinda da região amazônica, a vassoura-de-bruxa fez com que a produção nacional caísse de aproximadamente 400 mil toneladas ao ano para pouco mais de 120 mil. O Brasil, antes um dos maiores exportadores de cacau, passou a importar sementes de países como a Indonésia, com qualidade inferior.
Atualmente, a doença está presente em todos os países produtores de cacau da América Central e do Sul.
Agência FAPESP