Nos últimos anos, no entanto, novos estudos têm mostrado que várias doenças neurodegenerativas muito mais comuns – como Alzheimer e Parkinson – podem ser causadas por mecanismos semelhantes à ação do príon, ampliando radicalmente os horizontes para as pesquisas na área.
De acordo com Neil Cashman, professor da Universidade de British Columbia (Canadá), o papel do príon na sinalização celular e a conexão da atividade celular semelhante à do príon com as doenças neurodegenerativas são, atualmente, os dois focos da pesquisa mundial na área.
Cashman, que é diretor científico da PrioNet Canada, rede de excelência na área de ciência de príons, estima que a concentração das pesquisas nessas duas vertentes, que tem aumentado nos últimos dez anos, poderá levar a maneiras de reverter a morte celular causada pelo príon, gerando abordagens terapêuticas inovadoras e o desenvolvimento de novas drogas.
Mas é preciso investir. Segundo Cashman, pelo caráter infeccioso do príon, os experimentos devem ser feitos em rígidos protocolos de biossegurança, de custo muito elevado.
Cashman, que é autor de mais de 300 publicações na área de neurodegeneração e neuroimunologia, participou nos dias 7 e 8 de março, em São Paulo, do Brazil-Canada Prion Science Workshop 2012, promovido pelo Hospital A.C. Camargo, que reuniu cerca de 60 cientistas da instituição e de universidades brasileiras e canadenses. Ele concedeu à Agência FAPESP a seguinte entrevista:
Agência FAPESP – Quais são os focos mais relevantes para a pesquisa sobre príons atualmente?
Neil Cashman – É uma pergunta fácil de responder, porque no momento temos uma ideia muito clara de que as pesquisas estão tomando duas direções principais. No passado, a proteína príon era vista apenas como substrato para o príon infeccioso. Mas obviamente ela não está tão presente no proteoma dos vertebrados apenas para contribuir com o aparecimento de doenças. Está cada vez mais claro que a proteína príon tem um papel importante em sinalização celular. Essa é uma das principais direções para a pesquisa na área. E um dos principais especialistas do mundo nessa linha de estudos é o brasileiro Marco Prado [da Universidade Western Ontario, no Canadá].
Agência FAPESP – E quanto à segunda direção?
Cashman – É uma outra área da ciência de príons que tem sido desenvolvida na última década e que está ligada à propagação por transmissão de mau enovelamento. Descobrimos inicialmente que a proteína príon se propaga fazendo com que outras proteínas deixem de se enovelar adequadamente, transformando-se em novos príons e propagando a infecção. O salto na pesquisa se deu quando aplicamos esse princípio para compreender outras doenças que são muito mais comuns do que as doenças priônicas.
Agência FAPESP – O conhecimento desenvolvido sobre o príon serve como modelo para compreender os mecanismos de patologias que não são causadas pela proteína?
Cashman – Isso mesmo. Está cada vez mais claro que doenças como Alzheimer, Parkinson, Huntington, diabetes tipo 2 e esclerose lateral amiotrófica têm aspectos de conversão semelhantes ao príon. Todas elas utilizam processos de propagação de enovelamento inadequado de proteínas, que são responsáveis pela morte celular dos neurônios e outras patologias no cérebro e no organismo.
Agência FAPESP – Cresceu a preocupação e o envolvimento da comunidade científica com as pesquisas relacionadas à proteína príon. O senhor acha que o financiamento de estudos nessas áreas está acompanhando esse aumento de interesse?
Cashman – Sim, esses estudos ganharam grande impulso na última década. O financiamento sistemático é absolutamente fundamental para esse tipo de pesquisas, porque são ideias ainda na fronteira do conhecimento. Não há possibilidade de estabelecer um programa de ciência incremental. É preciso desbravar. A aplicação de ideias tão novas depende dramaticamente de programas bem organizados e financiamento consistente das agências. Só assim será possível transformar esse conhecimento em benefícios à saúde humana. A FAPESP tem um papel central nisso, aqui no Brasil. No Canadá também estamos tentando obter financiamento para desenvolver ideias mais radicais.
Agência FAPESP – O senhor é diretor científico da PrioNet Canada. Qual a atuação da rede?
Cashman – A PrioNet Canada é uma rede de centros de excelência voltados para o estudo de ciência de príons. A rede foi criada em 2005 e termina agora em abril de 2012. Mas, a partir dessa iniciativa, criamos um grupo interativo de cerca de 120 cientistas que trabalham nessas novas áreas da ciência de príons e, agora, estamos buscando outras maneiras para financiar essa rede ou acertar o financiamento da rede por outras agências financiadoras. A rede inclui 16 universidades e institutos de pesquisa canadenses, 41 projetos ativos e mais de 50 parcerias com setores do governo, da indústria e das organizações não governamentais.
Agência FAPESP – Quais são os principais obstáculos atualmente para a pesquisa sobre príons?
Cashman – A biossegurança laboratorial é uma grande preocupação. Temos grande necessidade de ter um trabalho bioquímico com príons infecciosos e também com animais infectados que devem ser conduzidos dentro de padrões de segurança muito rígidos. Isso é extremamente caro. Ensaios de incubação para príons em modelos de ratos, por exemplo, levam meses. Em outros animais, podem levar anos. Mas é difícil realizar esse tipo de trabalho em(com??) mecanismos clássicos. A nova abordagem para a ciência de príons – trabalhando com a proteína príon como uma molécula de sinalização e com a propagação de enovelamento inadequado – gera estudos que não podem ser conduzidos fora de rígidos padrões de biossegurança.
Agência FAPESP – Sabemos que a cooperação internacional é muito importante nesse tipo de estudos e eventos demonstram a necessidade de se estabelecer parcerias. O Brasil e o Canadá fazem boa cooperação na área em que o senhor atua?
Cashman – Certamente. Nosso conselho financiador da área de saúde, o Instituto Canadense de Pesquisas em Saúde, tem um programa com o governo federal brasileiro para estimular programas colaborativos entre canadenses e brasileiros. Nosso governo também tem estimulado muito colaborações científicas e tecnológicas com o Brasil. Temos muitos pesquisadores trabalhando em estudos colaborativos.
Agência FAPESP