Embora o Brasil seja líder mundial na produção de cana-de-açúcar e de bioetanol, ainda há muito que avançar. Hoje, são produzidas em média 84 toneladas de cana por hectare de terra plantada no país. Cientistas estimam que com o melhoramento genético seja possível chegar a 380 toneladas.
Mas o desafio não é pequeno, como explica Antonio Augusto Franco Garcia, pesquisador do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e um dos autores do estudo que integra o Projeto Temático "Genomic-assisted breeding of sugarcane", realizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) e coordenado por Anete Pereira de Souza, professora do Departamento de Biologia Vegetal da Universidade Estadual de Campinas.
“É muito difícil desenvolver estudos sobre a genética da cana-de-açúcar, dada a complexidade de seu genoma”, disse Garcia.
Enquanto os seres humanos e quase a totalidade dos animais são diploides, ou seja, possuem apenas duas cópias de cada cromossomo, a cana-de-açúcar pode ter até 20. Isso significa que cada indivíduo na espécie humana pode possuir até duas formas variantes de cada gene, um herdado do pai e outro da mãe. Já na cana essa complexidade é bem maior, uma vez que um dado gene pode teoricamente possuir muitas formas variantes no mesmo indivíduo.
“Dentro do genoma da cana-de-açúcar, há regiões que possuem seis conjuntos cromossômicos e outras com 8, 10, ou até mesmo 20 conjuntos. Por isso, o conhecimento genético sobre a espécie não está tão avançado”, explicou Garcia.
O primeiro passo para resolver o quebra-cabeça é fazer a genotipagem da espécie. “Diferentemente do sequenciamento, que analisa o genoma inteiro de um único ou de poucos indivíduos da espécie, a genotipagem faz a leitura de partes específicas do genoma em vários indivíduos de uma dada população”, disse.
Isso permite, por exemplo, montar o mapa genético e localizar em que região dos cromossomos estão os genes que regulam a produção de açúcar, a resistência a doenças e outras características de interesse.
“Só depois disso será possível pensar em usar marcadores genéticos para fazer seleção assistida, algo que já é feito no melhoramento de bovinos, por exemplo”, disse Garcia. “Os resultados obtidos com cana-de-açúcar poderão ser de grande auxílio para estudos semelhantes em outros poliploides, que também se beneficiarão dessas novas tecnologias.”
Esse é um dos objetivos do Temático. Com os recursos do projeto, foram comprados equipamentos sofisticados para fazer a genotipagem, e vários alunos estão sendo formados. “Colocamos o material genético na máquina e ela mede a intensidade dos alelos, fornecendo os resultados como medidas quantitativas. Isso é usado de forma rotineira em espécies diploides, mas não tínhamos como classificar os dados no caso da cana-de-açúcar ou de outras poliploides. Os princípios genéticos e modelos de análise são diferentes”, contou Garcia.
Para resolver o problema, o grupo desenvolveu um método de análise com enfoque bayesiano que foi implementado num software denominado SuperMASSA. “Esse modelo permite incluir várias informações disponíveis, como o genótipo dos genitores e as segregações esperadas para o tipo de população estudada”, explicou.
Também participaram do trabalho Oliver Serang, da Universidade Harvard, e Marcelo Mollinari, orientando de doutorado de Garcia e bolsista da FAPESP. A genotipagem foi realizada por Thiago Marconi (Unicamp), sob supervisão de Anete Souza, e contou também com a participação de vários colaboradores do Brasil e do exterior.
O software SuperMASSA está disponível para uso no endereço http://statgen.esalq.usp.br/SuperMASSA. As ferramentas desenvolvidas podem ser usadas para estudar não apenas a genética da cana-de-açúcar, mas de qualquer espécie poliploide.
“A partir de agora, podemos pensar em desenvolver mapas genéticos, fazer mapeamento associativo e seleção genômica. Nosso grupo já está trabalhando nisso e pretendemos publicar uma série de artigos nos próximos meses”, contou Garcia.
Segundo o pesquisador, grupos de outros países já fazem a genotipagem de poliploides, mas usam nas análises estatísticas adaptações de métodos desenvolvidos para diploides.
“São metodologias ineficientes e com resultados menos precisos. Agora podemos fazer genotipagem de poliploides de verdade. Se o Brasil não tivesse investido nisso, estaríamos defasados nos estudos de uma planta tão importante como a cana-de-açúcar”, disse.
Agência FAPESP