Por meio do uso de medicamentos ou intervenções comportamentais, tais estudos sugerem que janelas de aprendizado que – julgava-se – se fecham definitivamente a partir de certa idade podem ser “reabertas”. Enfermidades adquiridas enquanto recém-nascido, e que pareciam incuráveis, também podem ser curadas.
Takao Hensch, neurologista e professor da Escola de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, um dos que apresentaram trabalhos sobre esse tema na reunião, resume assim a questão: “Trata-se de tornar cérebros velhos jovens de novo”. Suas experiências com ratos se focam em moléculas e na química cerebrais que ajudam a abrir ou fechar essas janelas.
Há sérios riscos envolvidos no processo, no entanto, como o próprio Hensch admite, já que alguns desses procedimentos podem ocasionar danos psiquiátricos ou psicológicos, o que fará com que ainda leve tempo para começarem testes com seres humanos.
No entanto, seu trabalho e de outros tem ajudado a aumentar a compreensão de como o cérebro, especialmente na primeira infância, funciona, em particular a sua plasticidade, ou seja, como ele se alinha e realinha pela formação de novas conexões entre neurônios, ao responder aos estímulos que recebe do ambiente.
O aprofundamento dessas pesquisas pode fazer com que cientistas descubram como intervir para ajudar a melhorar o desenvolvimento e o aprendizado das crianças, bem como fazer com que o cérebro de pessoas recupere parte da plasticidade que tinha no começo da vida.
Janet Werker, professora de psicologia da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, tem observado há anos como nos primeiros meses de vida os bebês rapidamente reagem aos sons da fala que ouvem e aos gestos que veem, o que – em especial entre os seis e os nove meses de vida – faz com que elas comecem a aprender a falar a língua de seus pais.
Crianças que nascem e passam esse período inicial em casas onde a família fala duas línguas diferentes manteriam essa janela para o aprendizado de línguas aberta por mais tempo.
Werker também tem registrado há muitos anos que bebês cujas mães haviam sofrido de depressão durante a gravidez tinham essa capacidade de aprender línguas afetada negativamente. Mas, nos casos em que as mães com depressão foram tratadas com um medicamento antidepressivo conhecido como SRI, seus filhos não eram tão afetados.
Recuperação da visão
Charles Nelson, da Escola de Medicina de Harvard, mostrou aos participantes da conferência da AAAS os resultados de outra pesquisa nesta área, realizada com 136 crianças de vários orfanatos em Bucareste, Romênia, que haviam sido abandonadas no nascimento.
Algumas dessas crianças foram adotadas e Nelson comparou o desenvolvimento desses dois grupos com o de 68 outras crianças, que nasceram e foram criadas com seus pais, em casas também em Bucareste, até todas terem completado oito anos de idade.
As conclusões do estudo podem não ter sido surpreendentes, já que comprovaram o que o senso comum preveria: as crianças criadas com os pais tiveram um desenvolvimento cognitivo marcantemente superior aos das que foram adotadas e o destas também foi bastante maior do que as das que ficaram nas instituições.
Mas o interessante foi perceber que muitas das capacidades de aprendizado entre as que foram adotadas que estavam vinculadas às janelas que supostamente se fecham em certo momento foram recuperadas por seus cérebros, o que pode comprovar a teoria geral de que a plasticidade pode retornar, dadas certas condições.
A pesquisa que mais chamou a atenção do público e da mídia neste tema, no entanto, foi a de Daphne Maurer, da Universidade McMaster, do Canadá – instituição com quem a FAPESP tem um acordo de cooperação científica e acadêmica.
Maurer descobriu que crianças nascidas com cataratas congênitas, uma enfermidade visual até agora considerada incurável mesmo após a remoção cirúrgica das cataratas e o uso de lentes de contato, de fato podem obter visão quase completamente normal após uma aparentemente simples intervenção de comportamento.
O aprendizado da visão tem início no nascimento e a janela para ele se fecha aos sete anos, segundo o conhecimento acumulado. As crianças com cataratas congênitas não conseguem prestar atenção a certos detalhes ou acompanhar movimentos como as que não têm a enfermidade e – acreditava-se – depois dos sete anos qualquer tentativa no sentido de curá-las seria malsucedido.
Mas Maurer obteve sucesso com cinco de seis adultos que tiveram cataratas congênitas, as quais ela fez jogar um popular videogame chamado Medal of Honor durante 40 horas distribuídas num período de quatro semanas.
O jogo força as pessoas a prestar atenção em um foco móvel de ação e a diferentes detalhes que aparecem em diversos pontos da tela. Essa atividade, ao que tudo indica, estimula o cérebro a se rearticular.
O êxito do experimento não foi absoluto. Alguns tipos de visão não foram totalmente recuperados nos cinco pacientes que apresentaram enormes melhoras em diversas outras modalidades de visão, especialmente as mais importantes porque têm a ver com a leitura.
Mas o sucesso parcial impressiona e definitivamente autoriza a continuidade de pesquisas. Maurer disse que também tem obtido bons resultados com pacientes estrábicos por meio do uso do mesmo jogo.
Como em outros casos, há também aqui a preocupação sobre eventuais efeitos colaterais que essa interferência na ação cerebral possa vir a causar (como, talvez, o desenvolvimento de esquizofrenia), o que exige extremos cuidados na aplicação de experimentos.
Também há quem objete ao fato de o jogo utilizado ser notoriamente violento e de que, por isso, sua utilização com pacientes infantis poderia ser desaconselhado.
Maurer disse que ela, sua equipe e pessoas especializadas na área de concepção de videogames estão trabalhando para criar um novo, que provoque as mesmas estimulações visuais do Medal of Honor, mas não tenha conteúdo de violência.
Agência FAPESP