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Se o Brasil não investir em diagnóstico e tratamento das infecções assintomáticas pelo parasita da malária, especialmente nos assentamentos agrícolas da região amazônica, o sucesso do país na luta contra a doença permanecerá apenas parcial. A análise é de Marcelo Urbano Ferreira, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), que há mais de dez anos coordena projetos de pesquisa sobre malária financiados pela FAPESP.
Segundo Ferreira, a estratégia brasileira para o controle da malária é baseada em diagnóstico precoce e tratamento das infecções confirmadas laboratorialmente. Isso porque, ao picar um doente, o mosquito do gênero Anopheles se contamina com o protozoário causador da enfermidade – o plasmódio – e o transmite para sua próxima vítima.

“Quando o doente inicia o tratamento, deixa de produzir novos gametócitos, que são as formas do parasita capazes de infectar o mosquito. Os gametócitos já produzidos continuam a circular no organismo por algum tempo. Mas, quanto mais rápido o tratamento, menos tempo o indivíduo permanece infectante”, explicou.

Para cumprir esse objetivo, o Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária, conduzido pelo Ministério da Saúde, conta com ampla rede de postos de diagnóstico e tratamento gratuitos, além de agentes que vão de porta em porta procurando pessoas com sintomas da doença. A ação permitiu reduzir à metade o número de casos entre 1995 e 2011.

Ainda assim, em 2011 foram registradas cerca de 300 mil notificações no país – 99,9% na Bacia Amazônica. Um dos fatores por trás desse alto número, segundo Ferreira, é o fato de que as infecções assintomáticas pelo plasmódio passam despercebidas pelo sistema de controle.

A equipe coordenada pelo cientista realizou, entre março de 2010 e abril de 2011, quatro inquéritos transversais com 396 voluntários do assentamento rural do Remansinho, na fronteira do Amazonas com Acre e Rondônia. O objetivo era descobrir a prevalência de infecções assintomáticas e a porcentagem de infectados que carregava gametócitos.

Para analisar as amostras de sangue, os pesquisadores usaram uma técnica conhecida como PCR (reação em cadeia da polimerase), capaz de detectar até mesmo concentrações muito baixas do parasita, imperceptíveis para o exame microscópico padrão.

O trabalho de campo foi conduzido, em grande parte, pela bióloga Amanda Begosso Gozze, bolsista da FAPESP, e resultou em sua dissertação de mestrado.

No primeiro inquérito, 19 casos foram descobertos pela microscopia, enquanto o PCR apontou 46 infectados. Desses, 48,8% eram assintomáticos. No segundo, 16 amostras mostraram-se positivas à microscopia e 43 à PCR. O índice de assintomáticos foi de 70%.

O terceiro inquérito revelou 11 infectados pela microscopia e 17 pela PCR, com índice de assintomáticos de 72%. No último, a miscroscopia revelou apenas 3 infecções, contra 14 da técnica molecular. Quase 80% dos casos eram assintomáticos.

Para avaliar a prevalência de indivíduos infectantes, os pesquisadores selecionaram 44 voluntários com diagnóstico positivo para a presença do plasmódio e verificaram, por uma técnica de transcrição reversa seguida de PCR em tempo real, se eles apresentavam transcritos do gene pvs25, presente apenas em gametócitos maduros.

Entre os 44 infectados, 42 apresentavam gametócitos circulantes. Somente 21 tiveram os parasitas identificados pelo exame microscópico de rotina. Esses resultados deram origem à dissertação de mestrado da bióloga Nathália Ferreira Lima, bolsista da Capes.

“A conclusão preliminar é que mesmo indivíduos assintomáticos ou com concentração baixa de parasitas constituem um reservatório potencial de infecção”, disse Ferreira.

O pesquisador ressaltou ainda que, segundo as regras do Ministério da Saúde, apenas os casos confirmados pelo exame microscópico podem receber o tratamento. “Os demais podemos apenas acompanhar para saber se vão desenvolver a doença e por quanto tempo vão carregar os gametócitos. Queremos saber por quanto tempo essas pessoas ficam invisíveis para o sistema”, disse.

Imunidade adquirida

Um dos principais fatores que explicam por que algumas pessoas são infectadas pelo plasmódio e não manifestam sintomas é a exposição prévia à malária. “Depois de cinco a oito anos morando em regiões endêmicas, o número de episódios clínicos diminui, pois o indivíduo adquire certa imunidade ao parasita. Mas não necessariamente o número de infecções é menor”, disse Ferreira.

Por esse motivo, as populações ribeirinhas e de assentamentos agrícolas – alvos do projeto de pesquisa – são as que mais apresentam casos assintomáticos.

“Estudamos a população ribeirinha do Parque Nacional do Jaú. Para cada infecção sintomática, havia cinco assintomáticas. Mas, quando se pensa no problema da transmissão de malária como um todo, a contribuição dos ribeirinhos é pequena”, avaliou.

Os assentamentos agrícolas, segundo Ferreira, são hoje as grandes áreas de transmissão da doença no Brasil e deveriam ser alvo de uma busca ativa por casos assintomáticos.

Outra lacuna importante da estratégia brasileira, segundo o pesquisador, é o controle do mosquito transmissor. “A borrifação cíclica das casas com inseticida foi abandonada na última década e poucas pesquisas têm buscado alternativas para melhorar o controle do vetor”, analisou.

Durante os próximos quatro anos, o grupo da USP pretende voltar semestralmente a Remansinho para coletar mais dados. “Ainda queremos descobrir até que ponto a baixa concentração de parasitas no organismo tem relação com a imunidade adquirida e se é possível estabelecer uma concentração mínima, a partir da qual o indivíduo manifestaria os sintomas”, contou Ferreira.

A pesquisa também pretende avaliar se o exame de microscopia é suficientemente sensível para detectar essas infecções assintomáticas. “Em caso negativo, será preciso buscar uma alternativa razoavelmente prática para a saúde pública. O PCR é um exame caro e logisticamente complicado”, disse.

Agência FAPESP