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Um artigo de revisão publicado na edição desta quinta-feira (19/01) da revista Nature sintetiza os resultados das pesquisas realizadas nos últimos 20 anos pelo Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Segundo o artigo, o LBA identificou sinais de que a floresta amazônica está passando, em suas porções sul e leste, por um processo de transição para um regime de distúrbios biofísicos, com alterações nos ciclos hídricos e energéticos.
Iniciado há 20 anos com o objetivo de compreender os processos biogeoquímicos da floresta e aumentar o conhecimento sobre as relações entre o uso da terra e o clima amazônico, o LBA já gerou mais de 2 mil publicações e cerca de 300 teses, de acordo com Paulo Artaxo, do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) – um dos coordenadores do experimento e coautor do artigo.

“O LBA deu uma contribuição importante para desvendar os processos físicos, químicos e biológicos que são responsáveis pelo funcionamento extremamente complexo da floresta. Esses processos vão desde a dinâmica climática até a interação entre a biologia da floresta e seu funcionamento intrínseco do ponto de vista dos fluxos de calor, de energia, de vapor d’água e de carbono”, disse Artaxo à Agência FAPESP.

De acordo com Artaxo, o LBA permitiu concluir que a floresta amazônica tem uma alta capacidade de resiliência, isto é, de superar uma situação crítica e retornar ao seu estado natural de excelência. Mas o experimento também concluiu que há limites para essa capacidade.

“A floresta desenvolveu, ao longo de seu processo evolutivo, mecanismos que permitem recuperar seu ponto de equilíbrio. No entanto, isso tem um limite que pode ser ultrapassado dependendo do grau de perturbação que o homem provoca no ecossistema. Esse delicado equilíbrio precisa ser respeitado para que o processo de ocupação da Amazônia não desestabilize ainda mais o funcionamento do ecossistema”, afirmou.

O LBA, segundo ele, permitiu identificar onde estão esses limites e quais as consequências de ultrapassá-los. “Com o desmatamento e as alterações nos fluxos de vapor d’água, de energia e de aerossóis, o ciclo hidrológico é perturbado. Essa perturbação desencadeia uma série de processos de reação ao estresse hídrico. O LBA teve o mérito de desvendar alguns desses mecanismos”, disse.

O artigo destaca que a expansão agrícola e a variabilidade climática se tornaram importantes agentes de perturbação na bacia amazônica. Os estudos do LBA mostraram que a resiliência da floresta amazônica é especialmente considerável em relação às secas anuais moderadas. Mas mostram também que as interações entre o desmatamento, as queimadas e as secas podem levar a perdas de estoques de carbono e a mudanças nos padrões regionais de precipitação e de vazão dos rios.

“Embora os impactos do uso da terra e da seca na bacia amazônica possam ficar aquém da magnitude da variabilidade natural dos ciclos hidrológicos e biogeoquímicos, há alguns sinais de uma transição para um regime de predomínio de distúrbios. Esses sinais incluem modificações nos ciclos hídricos e energéticos no sul e no leste da Amazônia”, afirmou.

Além do artigo de revisão – que de acordo com Artaxo foi resultado de um dos workshops de síntese do experimento LBA,– a Nature o convidou para publicar, na mesma edição, um artigo na seção World View da revista, dedicada à apresentação de opiniões pessoais de cientistas. O texto, intitulado “Quebrar barreiras na pesquisa climática”, apresenta a visão do pesquisador brasileiro sobre o processo de implementação do LBA.

“Os editores fizeram essa proposta porque ficaram interessados em saber como foi possível implementar, em um país em desenvolvimento como o Brasil, um experimento de tamanho grau de complexidade, ao longo de 20 anos, em uma região de difícil acesso do ponto de vista logístico. Nenhum outro país conseguiu até agora implementar um experimento desse porte”, declarou.

O experimento LBA, segundo Artaxo, não apenas gerou uma produção científica ampla e sólida, mas também conseguiu uma considerável visibilidade externa e deu uma importante contribuição na formação de recursos humanos em diversas áreas de pesquisa. “O sucesso do LBA é um fato do qual o Brasil deve se orgulhar. O experimento poderá servir de guia para o desenvolvimento de iniciativas semelhantes em outros países em desenvolvimento”, disse.

Segundo Artaxo, diversos projetos temáticos da FAPESP estão diretamente associados ao LBA, em especial em áreas como o estudo de fluxos de carbono, aerossóis, mudanças do uso do solo, ciclo hidrológico e modelagem climática.

Participaram do artigo de revisão pesquisadores do Inpa, da USP, da Embrapa, da Universidade Federal do Acre (Ufac), da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do Centro de Geotecnologia do Imazon, do Jardim Botânico de Porto Rico e das seguintes instituições norte-americanas: Universidade de Columbia, Universidade de Harvard, Universidade de Maryland, Center for Ecological Analysis and Synthesis e Woods Hole Research Center.

O artigo The Amazon basin in transition, de Paulo Artaxo e outros, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com

Agência FAPESP