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As condições climáticas e ambientais de museus e outros espaços fechados dedicados à exposição de arte podem causar impactos na conservação das obras que integram seus acervos. Com o objetivo de avaliar possíveis danos que as características ambientais desses espaços podem provocar nos bens do patrimônio cultural que abrigam, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um sensor que indica o grau de degradação sofrida por materiais que compõem obras de arte em diferentes ambientes.
O dispositivo, que já passou por várias etapas de aprimoramento, é resultado de um projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP por meio do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.

Durante o estudo, pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, campus Leste, pretendiam desenvolver uma ferramenta que possibilitasse medir simultaneamente a temperatura, umidade, iluminação e os níveis de poluição interna apresentados por museus situados em áreas urbanas e o grau de deterioração sofrido ao longo do tempo por resinas orgânicas usadas em obras de arte. Para isso, eles se associaram a um grupo de pesquisa do Instituto de Química da USP, liderado pela professora Dalva Lúcia Araújo de Faria.

Reunindo conhecimentos de química analítica com habilidades em eletrônica e microprocessamento de um pós-doutorando que integrou o grupo – Carlos Antonio Neves –, os pesquisadores conseguiram criar um aparelho miniaturizado que funciona automaticamente e mede as alterações físico-químicas causadas pelas condições ambientais de museus em alguns materiais orgânicos que compõem obras de arte.

“O equipamento fornece um conjunto de efeitos provocados pela temperatura, umidade, iluminação e presença de poluentes em um ambiente sobre materiais orgânicos que compõem algumas obras de arte”, disse Andrea Cavicchioli, professor da USP e coordenador do projeto à Agência FAPESP.

O sensor é baseado em uma microbalança de quartzo, constituída por pequenos cristais do mineral com aproximadamente 1 centímetro de diâmetro que vibram a frequências muito elevadas, de 10 MHz.

Para analisar as possíveis alterações físico-químicas sofridas por um determinado material em um ambiente, é depositada uma fina camada dele sobre os cristais de quartzo e colocado o aparelho no ambiente onde se pretende monitorar.

Cristais de quartzo captam as transformações do material no ambiente, como variações de frequência, que são registradas e gravadas em uma memória incorporada ao sistema eletrônico do aparelho.

“Quanto mais rapidamente variar a frequência, mais rapidamente o material estará se degradando, indicando que o ambiente é muito agressivo”, explicou Cavicchioli.

Os pesquisadores utilizaram um tipo de verniz muito usado em obras de arte para testar o aparelho em alguns ambientes de dois museus em São Paulo: o Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP) – mais conhecido como Museu do Ipiranga – e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, em parceria com as equipes das conservadoras Teresa Cristina Toledo de Paula e Valéria Mendonça.

Após deixar o aparelho contendo a amostra do verniz por um determinado período de tempo nos dois lugares, o grupo constatou que, em comparação com a Pinacoteca, o Museu Paulista apresenta condições menos favoráveis para conservação de materiais associados às pinturas.

A diferença, segundo Cavicchioli, se deve à dificuldade de o Museu Paulista implementar condições mais adequadas para a conservação dos bens culturais que abriga, uma vez que a edificação é tombada.

“O Museu Paulista, apesar de ter plena consciência da necessidade de controle ambiental para a proteção dos bens culturais, ainda tem ambientes pouco adaptados devido à própria edificação ser um objeto cultural. Já a Pinacoteca é um ambiente mais transformado e passou por um processo de readequação que possibilitou a implementação de algumas medidas mitigatórias, como a instalação de aparelhos de ar condicionado, filtros de ar para que poluentes externos não penetrem no interior do museu e dispositivos para controlar a luminosidade”, comparou.

Atualmente o Museu Paulista também está passando por um processo de adaptação de seus ambientes, apoiado pela FAPESP por meio do Programa Infra-Estrutura – Museus, com o objetivo de melhorar as condições de conservação das obras que possui. De acordo com Cavicchioli, ao fim desse processo será possível fazer nova avaliação utilizando o sensor e constatar se a reforma possibilitou a melhora das condições microambientais da instituição.

Igrejas barrocas

Os pesquisadores também avaliaram as condições microambientais de duas igrejas barrocas em Minas Gerais – a Catedral da Sé de Mariana e a Igreja Matriz de Tiradentes, em colaboração com a organista Elisa Freixo. As igrejas mineiras possuem dois dos mais importantes órgãos de tubos restaurados do período Barroco no Brasil em funcionamento.

Feitos de chumbo, os tubos do órgão corroem facilmente na presença de determinados gases emitidos pela madeira do próprio instrumento musical e do ambiente ou quando o chumbo é misturado com outros metais.

Por meio da análise das emissões das madeiras e da composição dos tubos, os pesquisadores constataram que tanto a madeira do órgão como a da igreja não representa um grande risco para a conservação dos tubos dos órgãos por ser envelhecida e liberar menos substâncias do que uma madeira mais nova. Outro ponto é que, além de chumbo, os tubos dos órgãos apresentam certa quantidade de estanho, que protege o metal da corrosão.

“Avaliamos que não existem condições de perigo imediato para esses órgãos com relação a emissão de gases pela madeira ou pela composição do chumbo. Em um país tropical como o Brasil, há riscos muito maiores para a conservação desses instrumentos musicais, como o ataque por cupim”, avaliou Cavicchioli.

Por meio de uma pesquisa de doutorado, que está sendo realizada com apoio de uma Bolsa da FAPESP, o grupo pretende ampliar a avaliação e comparar as condições microambientais para conservação de objetos eclesiásticos em igrejas construídas nos séculos 18 e 19 em regiões urbanas, semiurbanas e litorâneas.

Em outro projeto de pesquisa, também apoiado pela FAPESP por meio de um acordo de cooperação com o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, o grupo pretende avaliar as vulnerabilidades às mudanças climáticas dos bens culturais do Vale Histórico Paulista.

A região, situada no extremo leste do Estado de São Paulo, nas divisas de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, chegou a ser a mais rica do país durante o Ciclo do Café e possui casarios e palacetes da época colonial.

“Queremos analisar como as mudanças climáticas afetarão os bens culturais e que tipo de políticas preventivas podem ser implementadas para proteger esse patrimônio histórico e cultural, que é algo que está sendo muito discutido em outros países, como os da Europa”, afirmou Cavicchioli.

Agência FAPESP