Investigar potenciais de aplicação e avançar no conhecimento básico sobre diamantes produzidos artificialmente – além de outro derivado de carbono, os nanotubos – são os objetivos principais do Projeto Temático “Novos materiais, estudos e aplicações inovadoras em diamante-CVD, diamond-like-carbon (DLC) e carbono nanoestruturado obtidos por deposição química a partir da fase vapor”, apoiado pela FAPESP.
Coordenado por Evaldo José Corat, pesquisador do Laboratório Associado de Sensores e Materiais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o projeto envolve três áreas diferentes, mas com um ponto em comum: são materiais de carbono produzidos por meio de técnicas de deposição química a partir da fase de vapor.
Trata-se de um processo conhecido internacionalmente pela sigla CVD, de Chemical Vapor Deposition. O processo envolve a ativação de um gás, o que pode ser feito ao se alterar a temperatura, fazer um plasma ou, no caso de diamante, pelo uso de filamento aquecido.
A partir de reação desse gás reativo é feita a deposição de materiais sobre superfícies, processo conhecido como “crescimento” e usado para produzir o diamante CVD (sigla que o distingue do diamante usado para as jóias), o DLC (diamond-like carbon) e os nanotubos de carbono.
O CVD é conhecido dos pesquisadores desde os anos 1950. No caso dos estudos do Inpe, ele é crescido a partir de uma mistura de gases que contém uma pequena concentração de metano. A mistura é colocada em reatores de filamento quente – o equipamento usado para a pesquisa usa filamentos de tungstênio –, com temperaturas acima de 2.300 ºC. A partir da ativação desse gás, é feito o depósito desse diamante em um substrato, formando o filme de diamante.
Apesar de a descrição ser simples, produzir diamante em laboratório requer tempo. “A taxa de crescimento é de 2 a 4 mícrons por hora. Podemos crescer diamantes bem finos até relativamente espessos”, disse Corat.
Em um projeto desenvolvido anteriormente, envolvendo o uso de diamante CVD em brocas de perfuração de solo, os pesquisadores cresceram diamantes com 2 milímetros de diâmetro, em processo que levou mais de um mês.
O diamante é conhecido por ser o material mais duro existente na natureza e os exemplares produzidos em laboratórios mantêm essa característica. Também são excelentes condutores térmicos e transparentes na faixa do espectro que vai do raio X até o infravermelho longínquo.
Essas características podem ser exploradas na proteção de superfícies de equipamentos espaciais, em dispositivos microeletrônicos, em ferramentas de corte, como camada antiatrito em motores automotivos e aeronáuticos, para proteção de superfícies para ambientes agressivos e no processamento de vidros e materiais cerâmicos.
O diamante CVD também pode ser usado nas áreas médico-odontológica, como material para brocas rotativas usadas por dentistas, ou em aparelhos de ultrassom, em dispositivos para implantes e como eletrodos para sistemas de tratamento de efluentes e de água.
Corat e os pesquisadores a ele associados enfrentam o desafio de ampliar o crescimento de tubos de diamante CVD sobre fios finos de tungstênio. “Estamos fazendo o escalonamento da produção para obter volumes relativamente grandes. Queremos obter ferramentas abrasivas, incluindo brocas de alta durabilidade para perfuração de rochas, com perspectivas de aplicação na perfuração de poços de petróleo. O desafio é tornar a produção economicamente viável”, explicou.
O desenvolvimento de interfaces para deposição de diamante CVD sobre aços e materiais de ferramenta é outro importante objetivo do projeto. Os estudos identificaram que a interface de carboneto de vanádio e de boretos de ferro, obtidos por processo de termodifusão (difusão produzida por calor), tem capacidade de promover o crescimento de diamante de alta qualidade. Outra aplicação em estudo é a do diamante como eletrodo para eletroquímica, a ser usado, por exemplo, em tratamento de água.
O grupo coordenado por Corat também está pesquisando o processo de crescimento do nanodiamante, com potencial uso em um novo conceito de células solares que convertem calor diretamente em eletricidade e promete energia solar a custos menores que com as células de silício. Essa é uma linha de pesquisa básica do grupo coordenado pelo Inpe, que envolve o estudo de cálculos do processo e a identificação do material, procurando entender como e por que o nanodiamante cresce.
Nanotubos
No Projeto Temático, os pesquisadores estudam o crescimento de nanotubos de carbono de forma alinhada sobre a superfície – geralmente, os nanotubos são apresentados na forma de pó. A principal aplicação foi em compósitos estruturais, ou seja, fazer o depósito de nanotubos alinhados sobre fibra de carbono.
“Estamos fazendo os estudos para o escalonamento desse processo, ainda na escala do laboratório e para uso próprio”, explicou Corat. Os pesquisadores querem fazer o processo de forma mais rápida e ágil, obtendo amostras maiores de compósito para avançar suas pesquisas.
Outra área de trabalho é o desenvolvimento de técnicas para dar características de hidrofobicidade (capacidade de uma superfície repelir a água) e hidrofilicidade (afinidade de uma superfície com a água) a superfícies de nanotubos alinhados.
Com a técnica de plasma de oxigênio, os pesquisadores transformam a superfície de nanotubos alinhados em material super-hidrofílico; e com o tratamento a laser, que evapora parte dos nanotubos, tornam a superfície super-hidrofóbica. Uma aplicação possível é a filtragem de água e óleo, ou seja, pode ser usado em filtros para plataformas de petróleo.
Mas a pesquisa que Corat destaca com mais ênfase envolvendo os nanotubos de carbono é a que investigou a interação dos nanotubos alinhados com células.
“Crescemos células e hidroxiapatita em nanotubos, com melhoria do processo de crescimento celular. É uma linha que temos intenção de continuar investindo”, disse. A hidroxiapatita é um mineral importante para ossos e dentes, por exemplo.
DLC
Outro subprojeto do grupo envolve parceria com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT) e localizado em Campinas (SP).
Os pesquisadores estudam o uso do diamante CVD em janelas de raio X, foco de alta energia. As janelas são uma interface entre o meio ambiente e o ambiente interno do anel, onde corre a linha de luz.
“São poucos os materiais que podem ser usados como janela. Geralmente usam berílio, um material caro e perigoso. Estamos em processo de estudo para substituição dessas janelas pelas de diamante”, explicou Corat.
O outro material que está no Temático coordenado pelo pesquisador é o DLC. Apesar de serem materiais formados por carbono, o diamante e o DLC são muito diferentes. O primeiro tem a estrutura cristalina e o outro é amorfo, e, por isso, não é considerado propriamente um diamante.
“Imagine extrair da natureza um diamante de 30 milímetros de diâmetro, que é o tamanho do material que estamos aplicando em um dos nossos projetos? Estaríamos ricos”, ri o pesquisador. O valor do diamante artificial está justamente nas suas possibilidades de aplicação. “A tecnologia permite fazer coisas que, com o diamante natural, não é possível.”
O DLC surgiu de uma tecnologia derivada do processo de tentativa de crescimento de diamantes em laboratório. Em algumas circunstâncias nesse processo foram obtidos materiais com características semelhantes às do diamante, mas que não tinham as estruturas cristalinas que o caracterizam.
“O DLC tem aplicabilidade industrial muito maior do que o diamante porque podemos fazer sua deposição em temperaturas mais baixas, praticamente em temperatura ambiente, e sobre materiais convencionais, como aço, alumínio, latão, plástico e vidro, que são mais importantes para a indústria. Isso é algo que não conseguimos fazer com diamantes, que precisam de temperaturas muito altas, em torno de 800 ºC, e não podem ser depositados sobre qualquer tipo de material”, acrescenta.
Apesar de ser muito duro, o DLC tem 30% a 40% da dureza do diamante, seu coeficiente de atrito é extremamente baixo. “Graças a essa característica, usamos o DLC no Inpe como lubrificantes sólidos, utilizados em satélites”, contou Corat.
Até pouco tempo atrás, o lubrificante era importado. “Hoje, temos uma empresa nacional, a Fibraforte, que desenvolveu conosco o processo de deposição de DLC sobre as partes móveis do satélite, o que permitiu substituir a importação”, disse.
Os esforços da equipe do Projeto Temático estão centrados também no estudo da adesão do DLC em aço e titânio. No caso do primeiro material, o interesse é desenvolver uma tecnologia que possa ser transferida para a indústria.
No caso do titânio, são para aplicações de interesse do Inpe, necessárias para o funcionamento de satélites. Em um dos estudos, os pesquisadores introduziram nanopartículas de diamante no DLC, melhorando propriedades desse material, como o coeficiente de atrito e resistência ao desgaste.
PIPE
A partir de pesquisas anteriores ao Temático em andamento, realizadas no âmbito do programa Diamantes e Materiais Relacionados (Dimare) do Inpe, Corat e outros cinco pesquisadores mais um técnico em eletrônica criaram a empresa Clorovale Diamante, em São José dos Campos, em 1997.
A empresa foi apoiada pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), nos projetos “Desenvolvimento de dispositivos em diamante CVD para aplicações de curto prazo”, de 1998 a 2002, “Filmes de DLC para aplicações em superfícies antibacteriana, antiatrito, espaciais, industriais e para tubos de perfuração de poços de petróleo”, de 2007 a 2010, e “Diamante CVD para um novo conceito de ferramentas de alto desempenho para perfuração e corte”, de 2008 a 2010.
Um dos pesquisadores principais do Temático atual, Vladimir Jesus Trava Airoldi, também do Inpe, foi o ganhador em 2011 do Prêmio Finep de Inovação, na categoria Inventor Inovador.
Agência FAPESP