O trabalho, liderado pelo professor Paulo Sérgio Boggio, coordenador de pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da UPM, foi realizado durante o mestrado "Estudo preliminar sobre potenciais cognitivos em tarefa de tomada de decisão social", da psicóloga Camila Campanhã, que atualmente faz o doutorado na UPM, ambos com bolsas da FAPESP.
Segundo Campanhã, o estudo teve como objetivo estudar o papel da confiança na tomada de decisão social e suas bases neurobiológicas. Para isso, ela se baseou na teoria dos jogos, ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas nas quais jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno.
Inicialmente desenvolvida como ferramenta para compreender comportamento econômico e depois usada até mesmo para definir estratégias nucleares, a teoria dos jogos é hoje aplicada em diversos campos acadêmicos. Tornou-se um ramo proeminente da matemática especialmente após a publicação, em 1944, de The Theory of Games and Economic Behavior de John von Neumann e Oskar Morgenstern.
Campanhã – cujo estudo foi realizado em colaboração com os pesquisadores Ludovico Minati, do Istituto Neurologico “Carlo Besta” (Itália), e Felipe Fregni, da Universidade Harvard (Estados Unidos) – conta que para a realização do experimento foi utilizado o Ultimatum Game, jogo utilizado na neuroeconomia e por estudiosos do comportamento social.
Composto por participantes da faixa etária de 18 a 25 anos, o jogo foi dividido em dois blocos. No primeiro, o computador enviou propostas econômicas justas e injustas de amigos (que se encontravam em ambientes diferentes). No segundo, as propostas foram feitas por integrantes do laboratório, desconhecidos dos participantes.
Os valores das propostas foram classificadas como justas (50:50), mais ou menos justas (70:30) e muito injustas (80:20 e 90:10). “Os participantes receberam a mesma quantidade de propostas justas e injustas, tanto do amigo como do desconhecido, enviadas pelo computador. Registramos toda a atividade eletroencefalográfica desses participantes durante o experimento”, disse Campanhã à Agência FAPESP.
Nesse tipo de experimento, caso a pessoa aceite a proposta, ambos recebem o valor combinado. Se ela recusar, os dois não recebem nada. “Do ponto de vista comportamental, observamos que as pessoas rejeitaram muito mais as propostas injustas do desconhecido do que as oferecidas pelo amigo – nas quais o amigo sairia ganhando mais. Além disso, essas pessoas pontuaram os amigos como mais justos do que os desconhecidos”, destacou.
O estudo apontou uma inversão positiva na atividade neuroelétrica para as propostas de amigos. “A expectativa era que os dados seriam negativos conforme se recebessem propostas injustas do amigo. No entanto, os participantes não perceberam essa injustiça”, disse Campanhã.
Segundo ela, a inversão de polaridade positiva está relacionada à satisfação de receber algo bom e justo, cuja recompensa está acima do esperado. Nesse caso, a dopamina é liberada. No sinal negativo há quebra de expectativa e a substância é inibida, gerando raiva.
“Ao realizarmos a análise para identificar a área do cérebro ativada naquele momento, observamos que o sinal elétrico apareceu no córtex pré-frontal medial anterior. Essa é uma área relacionada à habilidade de imaginar e tentar entender o que o outro está pensando e sentindo”, disse.
“Não significa que as pessoas não processam a injustiça, mas esse processo é diferente quando se confia em alguém. É como se não precisasse tentar entender o que se passa com a outra pessoa ou o que ela está sentindo”, disse.
O artigo Responding to Unfair Offers Made by a Friend: Neuroelectrical Activity Changes in the Anterior Medial Prefrontal Cortex (doi:10.1523/JNEUROSCI.1253-11.2011), de Camila Campanhã e outros, pode ser lido por assinantes da The Journal of Neuroscience em www.jneurosci.org/content/31/43/15569.full.pdf+html?sid=94d0a3e8-79b9-47a8-89d8-24dcf41750e7.
Agência FAPESP