O estudo, publicado na Nature no dia 24 de agosto, contou com a participação do engenheiro agrônomo Luciano Andrade Moreira, do Centro de Pesquisas René Rachou da Fundação Oswaldo Cruz, em Minas Gerais. Ele tenta agora obter apoio do Ministério da Saúde para realizar estudos com variedades do vírus da dengue comuns no Brasil e mais adiante verificar o que ocorreria se os insetos inoculados com as bactérias fossem soltos no ambiente.
Os pesquisadores já sabiam que a mesma bactéria, em geral encontrada nas pequenas moscas-das-frutas Drosophila, evitava infecções por vírus nesses insetos. A partir dessa observação decidiram inserir a bactéria nos mosquitos que transmitem o vírus da dengue para ver o que acontecia. Os testes mostraram que o Aedes aegypti com a bactéria se contaminava com o vírus, mas não o passava para as pessoas. Segundo Moreira, ainda não se sabe por que a Wolbachia bloqueia a capacidade de os mosquitos transmitirem o vírus da dengue. “Pode ser que haja uma competição em nível celular entre o vírus e a bactéria, presente desde o intestino até as glândulas salivares do Aedes aegypti”, afirma. “Além disso, o inseto com a bactéria tem a imunidade melhorada”, completa.
O estudo também mostrou que a bactéria é transmitida de geração em geração dos Aedes e que os mosquitos com Wolbachia têm vantagem reprodutiva sobre os demais. Isso porque a fêmea com a bactéria é capaz de produzir ovos depois de cruzar com machos infectados ou não pela Wolbachia. Já as fêmeas sem bactéria só conseguem se reproduzir quando cruzam com machos também não infectados. A tendência esperada pelos pesquisadores é que com o tempo a população de mosquitos com bactéria se torne predominante, reduzindo o risco de transmissão de dengue.
Moreira explica que a bactéria inserida no mosquito não deve causar problemas ao ambiente nem às pessoas. Depois de quase dois anos testando diversas possibilidades na Austrália, onde exemplares foram soltos em campo, os pesquisadores não encontraram indícios de que a bactéria seja transmitida para animais que se alimentam dos mosquitos, como lagartixas ou aranhas, nem que saia com a saliva do mosquito ao picar as pessoas.
A equipe formada também por pesquisadores americanos e australianos, liderados por Scott O'Neill, da Monash University, na Austrália, investiga desde 2005 essa estratégia. Para os primeiros cinco anos de trabalho, o grupo recebeu US$ 12 milhões, parte doada pela Fundação Bill & Melinda Gates. Em estudo publicado em 2009 na Cell, o grupo já havia mostrado que outra cepa da bactéria causava no Aedes aegypti os mesmos efeitos verificados no trabalho atual, mas dificultava a reprodução do inseto. Nem todos os ovos permaneciam intactos no ambiente como ocorre naturalmente e as larvas morriam antes de se desenvolverem. Isso impedia que a bactéria fosse transmitida para descendentes. “Diferentemente do que verificamos hoje, esses mosquitos infectados em laboratórios por essa outra cepa poderiam ter mais dificuldades de se estabelecerem na natureza. O que não seria interessante”, diz o agrônomo.
Revista Pesquisa FAPESP Online