De acordo com João Furtado, membro da Coordenação Adjunta de Pesquisa para Inovação da FAPESP e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), além de se enquadrar em todas as regras do programa, as propostas devem enfocar questões relevantes para a economia e a sociedade e precisam ser bem fundamentadas e conduzidas por uma equipe adequada, tendo em vista a aquisição de conhecimento inovador.
“Além da qualidade do projeto científico e tecnológico, também é necessário que as propostas tenham qualidade em aspectos como o arranjo institucional, o planejamento orçamentário, o entrosamento da equipe e a organização da documentação apresentada”, disse.
A documentação relacionada com a questão da propriedade intelectual é um dos itens relevantes da análise do projeto, segundo Furtado. “Quanto melhor organizadas estiverem as relações entre os pesquisadores, as empresas e os eventuais prestadores de serviços, mais ágil será a tramitação da proposta e maiores as chances de aprovação”, afirmou.
Para obter sucesso, é importante ainda que a empresa faça um investimento prévio de capacitação intelectual e tecnológica, a fim de delimitar com precisão o desafio a ser enfrentado. Nessa preparação do projeto, segundo Furtado, o ideal é que ocorra uma convergência entre as competências do pesquisador responsável pelo projeto, as competências complementares de outros pesquisadores e da empresa.
Durante a reunião foi apresentado o projeto PIPE coordenado pelo biólogo Tiago Henrique Camara De Bem, da empresa Clonest, e dedicado à produção comercial de clones bovinos. Segundo Furtado, o caso é um bom exemplo de proposta que alia um objetivo comercial à solução de um problema científico complexo, além de contar com parcerias bem articuladas.
“Os desafios científicos, tecnológicos e comerciais estavam bem definidos, e a equipe, bem preparada para enfrentá-los. É um caso bem-sucedido de um projeto PIPE que já finalizou a fase 2 e está em pleno funcionamento em escala comercial. Agora, a empresa já anda com suas próprias pernas”, disse.
De Bem contou que o problema de pesquisa consistia em aumentar a eficiência da técnica de clonagem e baratear os custos da produção de embriões clonados. O projeto estabelecia também o objetivo de montar um laboratório independente para a prestação do serviço de clonagem de bovinos.
“Fizemos um levantamento e verificamos que havia mercado para a clonagem de bovinos, mas a eficiência da técnica era baixíssima. Acabamos alcançando todos os objetivos: aumentamos a eficiência, baixamos os custos de produção e montamos um laboratório independente com tecnologia e equipe integralmente brasileiras”, disse à Agência FAPESP.
De Bem explica que a ideia do projeto surgiu em 2004 com uma parceria entre o Laboratório de Morfofisiologia Molecular e Desenvolvimento da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), da Universidade de São Paulo (USP) de Pirassununga – coordenado pelo professor Flávio Vieira Meirelles – e a empresa de biotecnologia Vitrogen. O resultado da parceria foi a primeira clonagem de bovinos em escala comercial no Brasil.
“A gestação do bovino dura mais de nove meses e não podíamos iniciar a Fase 1 do PIPE sem deter a tecnologia necessária para a clonagem. Por isso, fizemos a parceria e o resultado foi o sucesso da clonagem em escala comercial. Durante a Fase 1, utilizamos o espaço físico e a tecnologia da universidade”, disse.
O sucesso da primeira fase, segundo De Bem, viabilizou a implantação de uma estrutura autônoma independente. Assim, em 2007, com o início da Fase 2, o projeto se desvinculou da universidade e foi estabelecida uma nova empresa, a Clonest.
“A partir daí, o projeto se voltou para o desenvolvimento de uma estratégia comercial e modificações no sistema de cultivo dos embriões, visando à otimização do processo para melhorar as taxas de blastocistos, prenhez, nascimento e sobrevivência, diminuindo os custos”, disse.
A equipe envolvida com o projeto, segundo o coordenador, fez uma análise dos riscos envolvidos. “Analisamos o mercado e detectamos uma grande dificuldade de tecnologia e um problema de ordem biológica. Havia um risco, que enfrentamos com ousadia, mas com os pés no chão. Fizemos a proposta de uma forma que acabou se mostrando viável”, afirmou.
Redução de custos
Segundo De Bem existem várias empresas de fecundação in vitro (FIV) atuando no Brasil e muitas vezes elas não querem utilizar os serviços de clonagem de empresas que estejam associadas a uma concorrente.
“Por isso criamos uma empresa independente, voltada exclusivamente para a prestação de serviços de clonagem. Assim, várias empresas de FIV encaminham à Clonest seus clientes. Dessa forma, podemos abranger um mercado muito mais amplo”, explicou.
Inicialmente, a empresa comercializava o animal nascido por cerca de R$ 60 mil. Mas o processo gerou um problema de liquidez para a empresa. “O comprador dava entrada no pagamento e nós produzíamos os embriões. Nove meses depois, o bezerro nascia e era entregue com dois meses de vida. Só então o comprador pagava o valor restante. Durante todos esses meses, não tínhamos dinheiro em caixa”, disse.
A forma de comercialização foi modificada. A empresa continuou vendendo os animais, mas privilegiou a venda de embriões. Com isso, o comprador passou a arcar com os custos de nascimento e de veterinário. Atualmente compra-se um pacote de 50 embriões, com o custo de R$ 500 por embrião.
“Dessa maneira, conseguimos reduzir o custo de nascimento dos clones. É mais viável para nós, porque toda produção de embriões gera liquidez constante. O cliente, por outro lado, consegue o animal com custo menor”, disse.
O uso da clonagem em larga escala possibilita um melhoramento genético mais eficiente e uniforme do rebanho, em comparação com a inseminação artificial ou a monta natural.
De acordo com o pesquisador, os produtores costumam clonar animais de alto potencial genético, que geralmente são muito valiosos. “A média de preço desses animais é de R$ 500 mil, mas há bovinos de R$ 2 milhões. O interesse é manter esse potencial genético na fazenda. Por isso, ele pode optar pela clonagem”, disse.
PIPE
O PIPE se destina a apoiar a execução de pesquisa científica e/ou tecnológica em pequenas empresas sediadas no Estado de São Paulo. Os projetos de pesquisa selecionados para apoio no PIPE devem ser desenvolvidos por pesquisadores que tenham vínculo empregatício com pequenas empresas ou que estejam associados a elas para sua realização.
As propostas de pesquisa submetidas ao programa devem ser organizadas em três fases: Fase 1 – Análise de Viabilidade Técnico-Científica; Fase 2 – Desenvolvimento da Proposta de Pesquisa; e Fase 3 – Aplicação dos resultados visando à comercialização do produto ou processo que foi objeto da inovação criada a partir da pesquisa apoiada na Fase 1 e/ou Fase 2.
As propostas de pesquisa para a Fase 1 ou Fase 2 Direta do PIPE são avaliadas em lotes, três vezes ao ano. Em 2011, as datas são 16 de maio e 15 de agosto, além do lote de 7 de fevereiro, já encerrado. A proposta de pesquisa deve ser encaminhada à FAPESP pelo pesquisador responsável. A proposta deve ser endossada pela pequena empresa que o sedia.
PIPE: www.fapesp.br/pipe
Agência FAPESP