Por insistir no trabalho, Lipson figura entre os pioneiros nessa área e é um dos nomes mais respeitados entre os especialistas que estão desenvolvendo o novo paradigma da arquitetura de hardware, o computador com componentes fotônicos, tecnologia que permitirá retomar o ritmo do aumento de velocidade dos processadores e tornar possível a construção de objetos de ficção científica como mantos de invisibilidade.
A cientista possui fortes laços com o Brasil, onde morou até os 19 anos. Ela é filha de Reuven Opher, professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e coordenador do Projeto Temático "Nova Física no Espaço – Formação e Evolução de Estruturas no Universo", apoiado pela FAPESP.
Lipson é irmã da astrofísica Merav Opher, professora da Universidade George Mason, também nos Estados Unidos, que investiga a evolução de ondas de choque e camadas não-lineares de plasma associadas ao vento solar.
Lipson fez os dois primeiros anos de graduação em física no Instituto de Física da USP, curso que concluiu em 1992 no Instituto de Tecnologia de Israel (Technion), instituição na qual também fez o mestrado e o doutorado em física.
Entre 1999 e 2001, fez pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), nos Estados Unidos, onde desenvolveu com o professor Lionel Kimerling trabalhos em fotônica do silício.
Desde 2001, é professora na Universidade de Cornell, onde coordena o grupo de nanofotônica da instituição (Cornell Nanophotonics Group, CNG). Em 2010, foi condecorada com o MacArthur Fellows Program, premiação de US$ 500 mil destinada a talentos promissores em diversas áreas.
Lipson esteve entre os conferencistas convidados para o Workshop Fotonicom/Cepof, realizado em novembro de 2010 em Atibaia (SP) e organizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Fotônica para Comunicações Ópticas (Fotonicom) e pelo Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de Campinas (Cepof), ambos apoiados pela FAPESP.
Agência FAPESP – A eletrônica permitiu a construção dos processadores atuais presentes nos mais diversos dispositivos desde relógios de pulso até os supercomputadores. O que a fotônica pode oferecer neste momento?
Michal Lipson – A eletrônica atual já encontrou os seus limites. A lei de Moore, que estimou que a cada 18 meses os processadores dobrariam de capacidade, era observada até alguns anos atrás. Porém, hoje, ela não se verifica mais. Ao comprarmos um computador novo hoje, ele terá uma capacidade muito próxima à de uma máquina fabricada há dois anos. Ou seja, a teoria de Moore está estagnada e a óptica pode abrir as portas para que essa revolução proporcionada pela microeletrônica possa continuar.
Agência FAPESP – Qual é a limitação da eletrônica?
Michal Lipson – O problema está basicamente na dissipação de energia. Os fios elétricos esquentam e dissipam muita energia quando transportam os elétrons a longa distância. E longa distância para os elétrons significa passar de um lado para outro do próprio chip, algo como 1 centímetro, por exemplo. Chamamos isso de interconexão longa e é justamente nesse ponto que a óptica tem muito a contribuir.
Agência FAPESP – Como a óptica resolve esse problema?
Michal Lipson – Diferentemente dos fios elétricos, os dutos de luz não dissipam energia, ou seja, não há perdas.
Agência FAPESP – A fotônica pode substituir totalmente a eletrônica?
Michal Lipson – Não. Os circuitos do futuro serão construídos por meio de uma integração entre fotônica e eletrônica. Isso porque a eletrônica ainda é muito eficiente no processamento de informações e há espaço para novas tecnologias nesse ponto. Por isso, o processamento ainda será eletrônico. O problema que estamos enfrentando está na transmissão dessa enorme quantidade de informação e em uma velocidade muito alta, um processo que dissipa bastante energia.
Agência FAPESP – Essa transmissão de dados ocorre no interior do processador?
Michal Lipson – Esse transporte de dados ocorre também entre os componentes microeletrônicos do computador, como entre a memória e o processador, e entre um processador e outro. Esse processo todo influencia na velocidade da máquina. Por isso, o computador do futuro próximo terá componentes eletrônicos com conexões ópticas. Dentro de dez anos, teremos máquinas funcionando com luz em seu interior.
Agência FAPESP – Quais são os desafios para chegar a essa nova geração de computadores?
Michal Lipson – Basicamente, conseguir a interação entre eletrônica e a fotônica. O trabalho do nosso grupo de fotônica do silício foi importante por ter demonstrado que essa interação é possível. Mostramos que é possível fazer fotônica utilizando a mesma tecnologia da microeletrônica e as futuras máquinas poderão utilizar a mesma plataforma usada hoje.
Agência FAPESP – Como começaram as pesquisas em fotônica do silício?
Michal Lipson – Essa área foi iniciada por vários cientistas no mundo e o meu grupo em Cornell foi um dos pioneiros. É uma área nova. Os primeiros artigos científicos foram publicados em 2004 e tratavam de moduladores de silício. Meu grupo demonstrou o primeiro desses dispositivos.
Agência FAPESP – Como estão as pesquisas hoje? A eletrônica e a fotônica já estão interagindo?
Michal Lipson – Estamos muito perto disso. É importante ressaltar que em 2004 havia pouquíssimos grupos de pesquisa trabalhando com fotônica do silício. Quando eu comecei a minha carreira em Cornell, em 2001, era muito comum eu ser questionada durante as minhas palestras com perguntas como: “Por que você pesquisa essa coisa maluca?” Hoje todas as maiores universidades do mundo investigam eletrônica do silício, assim como as grandes empresas mundiais do ramo de microeletrônica. Estamos falando de IBM, Intel, Motorola e vários outros gigantes que investem pesado no desenvolvimento da fotônica do silício.
Agência FAPESP – Já existem experimentos bem-sucedidos dessa integração entre fotônica e eletrônica?
Michal Lipson – A Intel demonstrou recentemente um importante avanço dessa integração. A IBM está envidando grandes esforços nesse sentido por meio de uma parceria com o MIT. O nosso grupo em Cornell está entre os mais fortes nessa pesquisa e eu acredito que em dois anos, ou até menos, teremos uma demonstração da eletrônica conversando com a fotônica e fazendo uma comunicação de massa. Atualmente, o que temos são componentes individuais que trocam sinais entre eles. Meu grupo realizou um experimento que enviou um sinal elétrico que passou da eletrônica para a óptica e depois fez o sentido inverso, da óptica para a eletrônica. Isso a gente demonstrou no chip. O que falta é integrar todos os componentes processadores, memória etc., simultaneamente.
Agência FAPESP – Esse seria o novo paradigma da arquitetura de computação?
Michal Lipson – Sim. Há outras tecnologias para o futuro, como o computador quântico, mas ainda é para um futuro mais distante e ele não servirá para todas as aplicações. Ele não deverá substituir completamente a tecnologia computacional, pois será adequado para tarefas muito específicas e só para o processamento de dados. Portanto, a fotônica é a melhor candidata para a próxima tecnologia de computação, na área de transmissão de informação.
Agência FAPESP – Quais seriam as outras aplicações da fotônica?
Michal Lipson – Agora que estamos conseguindo fazer uma fotônica em chips e com alta qualidade, muito superior ao que tínhamos há dez anos, abriu-se caminho para várias outras aplicações. Uma delas é a biofotônica, aplicação que lança mão de ferramentas de análise de estruturas biológicas, como as pinças ópticas, e também em terapias. Além dessa, o setor de telecomunicações está entre os mais beneficiados pela fotônica, porque ela permite a redução do chamado custo por bit, ou seja, torna-se cada vez mais barato transportar grandes volumes de informação. Também a manutenção é mais barata, pois não há necessidade de controle de temperatura da rede e outras limitações próprias da eletrônica.
Agência FAPESP – Quais outras possibilidades que a fotônica poderá proporcionar?
Michal Lipson – Nossa equipe começou a trabalhar no desenvolvimento de um tecido de silício que desvia a luz. O objetivo é gerar invisibilidade. Começamos a fazer isso com objetos minúsculos para que um dia seja possível provocar esse efeito em maior escala. A divulgação dessa pesquisa em 2010 provocou grande repercussão na imprensa (National Geographic, BBC).
Agência FAPESP – Como funciona esse mecanismo de invisibilidade?
Michal Lipson – A ideia é cobrir o objeto com um manto, mas não queremos que esse tecido seja percebido. Só enxergamos um objeto porque os raios de luz que batem sobre ele são refletidos e alcançam os nossos olhos. Para gerar a invisibilidade, precisamos captar os raios de luz e desviá-los ao longo da capa sem permitir que a luz interaja com o tecido e assim esconder qualquer objeto sob ele. Conseguimos esse efeito com peças minúsculas e utilizando componentes fotônicos. Em um futuro bem mais distante, acredito que será possível esconder grandes objetos com o auxílio da fotônica.
Agência FAPESP