No entanto, a mais promissora linha de pesquisas atual, segundo Watkins, são os modelos de vacinas com base em resposta imune induzida por células T – os glóbulos brancos especializados em coordenar a resposta imune contra agentes infecciosos e tumores.
Watkins dirige, na universidade norte-americana, o Laboratório de Pesquisa em Vacina para Aids, que possui uma das principais infraestruturas do mundo voltadas para testes de vacinas em primatas não humanos. Segundo ele, testes com macacos são fundamentais para o desenvolvimento de uma vacina eficaz, especialmente no caso das que se baseiam em imunidade celular.
Uma vacina eficaz é, segundo Watkins, uma das principais prioridades de pesquisa na área de saúde, uma vez que cerca de 7 mil pessoas contraem o HIV-Aids diariamente em todo o mundo.
Segundo dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV-Aids, 7,5 milhões de pessoas viviam com Aids em todo o mundo em 1990. Em 2007, já eram 33 milhões de pessoas. Cerca de 270 mil crianças morrem anualmente por causa da doença.
Watkins participou em março do 6º Curso Avançado de Patogênese do HIV, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). O curso, que trouxe ao Brasil 30 dos principais especialistas em HIV de todo o mundo, integrou as atividades do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Investigação em Imunologia (INCT-iii), financiado pela FAPESP e pelo CNPq. Durante o evento, o cientista concedeu à Agência FAPESP a seguinte entrevista:
Agência FAPESP – Houve avanços importantes, recentemente, no conhecimento sobre o HIV? Em que ritmo estão as pesquisas sobre o desenvolvimento de novas drogas e vacinas?
David Watkins – Temos aprendido muito sobre o HIV, hoje um vírus muito bem conhecido, o que tem permitido desenvolver continuamente novas drogas. Então, no aspecto do tratamento, avançamos incrivelmente com base no conhecimento da biologia do vírus. No ano passado, houve um avanço importante relacionado a técnicas de profilaxia pré-exposição. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine tornou-se um marco, na minha opinião, ao usar drogas para prevenir a infecção de maneira profilática. As vacinas já se apresentam como um problema bem mais difícil.
Agência FAPESP – Por quê?
Watkins – Porque normalmente elas são feitas com base em anticorpos e o HIV, provavelmente, possui um tipo de escudo exterior. Esse escudo representa uma grande dificuldade, em primeiro lugar porque é coberto por um açúcar e, com isso, fica escondido do sistema imune. Em segundo lugar, cada vírus é diferente do outro, especialmente nesse escudo exterior, que é conhecido como “envelope”. Com isso, as estratégias clássicas de fabricação de vacinas com base em anticorpos têm sido de difícil aplicação para o caso do HIV.
Agência FAPESP – Mesmo assim essas tentativas continuam?
Watkins – Sim, estão em curso e, mesmo tendo gerado um certo número de vacinas ineficazes, essas tentativas são muito importantes. Aprendemos muito sobre as estruturas cristalinas ao tentar utilizar esses anticorpos. Mas, além desse tipo de vacinas com base em anticorpos, estamos trabalhando em modelos de vacinas que atuam na resposta imune das células-alvo do HIV. Isto é, vacinas com base em células T, concentradas em proteínas mais internas.
Agência FAPESP – No caso das vacinas com base em imunidade celular, as dificuldades são diferentes?
Watkins – Novamente, vamos lidar com dificuldades de diversidade nas várias linhagens do vírus. Mas há menos diversidade nas proteínas internas. Então achamos que depende do vetor viral que vamos usar. Um dos vetores possíveis é o vírus da febre amarela, sobre o qual temos algumas colaborações com pesquisadores do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Agência FAPESP – Como são esses estudos?
Watkins – Tentamos identificar onde estão os alvos importantes no sistema imune. Observamos o controle da replicação dos vírus nos indivíduos, para descobrir para quais regiões do vírus eles estão mirando. Quando fazemos uma vacina baseada em tecidos, temos dois pontos importantes: o que colocar dentro da vacina para atingir o vírus e os vetores que serão usados. Na minha opinião, isso precisa ser testado em muitos experimentos diferentes, em primatas não humanos.
Agência FAPESP – O modelo de vacina com base na resposta imunológica induzida é o mais importante neste momento?
Watkins – Sim, para nós a vacina com base em células T induzidas é a principal avenida de pesquisa atualmente. Tentamos fazer isso também para a dengue. E, claro, também trabalhamos no processo baseado em anticorpos, mas isso mostrou ser muito mais difícil, devido ao envelope de proteínas externo do vírus.
Agência FAPESP – É possível dizer que houve quebras de paradigmas recentes na pesquisa sobre a vacina?
Watkins – Creio que sim. Alguns artigos, publicados há pouco mais de um ano, abriram a possibilidade de utilizar citomegalovírus como vetor. Nesses estudos sobre vacina, houve um controle da infecção viral em 50% dos macacos testados. Essa proteção foi conseguida provavelmente por células T, mas não temos certeza disso. Os testes mostraram que o vírus teve apenas uma pequena replicação, como se estivéssemos conseguindo uma imunidade induzida pelas células T. A mudança de paradigma seria essa: uma vacina com base em células T poderia induzir esse tipo de medida de proteção.
Agência FAPESP – O laboratório que o senhor coordena é conhecido por ter uma das principais estruturas de pesquisa para testes de vacinas em primatas no mundo. Por que isso é tão importante?
Watkins – Os primatas não humanos são muito importantes para testar vacinas e para analisar detalhadamente as respostas imunes em animais semelhantes ao homem. Então, desenvolvemos ao longo dos anos essa estrutura, que nos permite utilizar os modelos em macacos de uma maneira mais preditiva. Esses modelos possibilitam seguir todas as respostas imunes para o vírus no curso da infecção em macacos vacinados ou não.
Agência FAPESP – Poderia falar sobre sua colaboração com cientistas brasileiros?
Watkins – Com o maior prazer. Temos uma forte colaboração com a equipe de Ésper Kallás [professor da FMUSP] e estamos trabalhando juntos para tentar entender os alvos do sistema imune. É uma relação muito produtiva. Estamos também tentando abordar a dengue: desenvolvemos alguns peptídeos que foram testados em macacos infectados com a dengue e queremos testá-los em humanos. Nessa área, tenho uma importante colaboração com Myrna Bonaldo e Ricardo Galler, do Instituto Fiocruz, no Rio de Janeiro. Eles estão desenhando vacinas para febre amarela que pretendemos começar a testar nos próximos três meses.
Agência FAPESP