“A teoria da supercordas alcançou um nível de desenvolvimento que, em cada um de seus estágios anteriores, ninguém jamais poderia conceber. Mas o processo de compreender o que realmente significa a teoria das supercordas ainda tem um longo caminho pela frente. Acredito que não estamos nada próximos de ver o fim desse caminho”, disse à Agência FAPESP.
Desenvolvida a partir do fim da década de 1960, a teoria das supercordas é um modelo físico no qual os componentes fundamentais da matéria não são os pontos sem dimensão que caracterizavam as partículas subatômicas na física tradicional, mas objetos extensos unidimensionais, semelhantes a uma corda. Dependendo do “tom” da vibração dessas cordas, elas corresponderiam a cada partícula subatômica.
Witten é o criador da Teoria-M, que unifica as cinco diferentes teorias das supercordas existentes anteriormente. O termo foi cunhado pelo cientista em 1995 e desencadeou a chamada “segunda revolução das supercordas”.
A Teoria-M determina que a matéria é formada por membranas e que o universo flui através de 11 dimensões: o tempo, a altura, a largura, o comprimento e mais sete dimensões “recurvadas”, com outras propriedades.
Ao longo de sua carreira, Witten recebeu alguns dos principais prêmios de sua área, incluindo a Medalha Isaac Newton, o Prêmio Lorentz da Academia de Ciências Holandesa (ambos em 2010), o Prêmio Henri Poincaré (2006), a Medalha Fields (1990) – considerada o Nobel da Matemática –, a Medalha Albert Einstein (1985) e o Prêmio Dirac (1985).
Após a cerimônia de titulação, no Instituto de Artes da Unesp, o pesquisador norte-americano apresentou a palestra “A teoria das cordas e o Universo”, abrindo o segundo Joint Dutch-IFT School on Theoretical Physics, que será realizado até o dia 18 de fevereiro. O evento, organizado pelo professor titular do Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp Nathan Jacob Berkovits, terá a participação de 27 alunos de doutorado da Holanda.
Berkovits, um dos principais especialistas em supercordas no Brasil, coordena o Projeto Temático "Pesquisa e ensino em teoria de cordas", financiado pela FAPESP. O projeto aglutina um esforço global para promover avanços na área, envolve uma série de parcerias internacionais e promove visitas de especialistas estrangeiros e intercâmbio de alunos do Brasil e do exterior.
Das interações subatômicas à gravitação quântica
De acordo com Witten, o processo de mudanças de interpretação que deu à teoria das supercordas novos significados, aumentando sua importância ao longo do tempo, está longe de terminar. “Ainda não podemos nem conceber o fim dessa jornada”, disse.
Os físicos consideram que a origem da teoria das supercordas remonta à formulação da Amplitude de Veneziano. A descoberta, realizada em 1968 pelo italiano Gabriele Veneziano, sugeria que a amplitude de espalhamento explicava propriedades físicas, como a simetria e a dualidade, da interação forte entre as partículas subatômicas denominadas mésons.
“Só me envolvi com a teoria das supercordas no fim da década de 1970, por isso não sei o que teria pensado sobre essa descoberta na época. Mas, olhando retroativamente, acho surpreendente que essa pequena fórmula tenha se tornado o ponto inicial de algo tão significativo”, afirmou Witten.
Segundo ele, a proliferação de ressonâncias das partículas subatômicas, ou hádrons, levavam os físicos ao desespero quando tentavam descrever as interações fortes entre elas. “A descoberta de Veneziano sugeria que, se havia tantas ressonâncias de partículas, o espalhamento ressonante poderia ter um papel importante na interação dos hádrons”, explicou.
A partir daí, segundo ele, desenvolveu-se a ideia de que um méson é uma pequena corda com cargas em suas extremidades. “As ressonâncias dos mésons, que correspondem aos polos da amplitude de Veneziano, seriam estados vibratórios dessas cordas”, disse Witten.
No entanto, a amplitude de Veneziano gerou descrições das interações fortes entre partículas que são corretas apenas do ponto de vista quantitativo. Outras descrições melhores surgiram e, por alguns anos, a teoria das supercordas ficou no ostracismo.
“Desenvolvimentos posteriores mostraram que o aparente fracasso da teoria das supercordas para explicar as interações fortes não era definitivo. As outras descrições melhores aparentemente eram equivalentes a uma parte ainda não descoberta da teoria das supercordas”, afirmou Witten.
O principal motivo para a sobrevivência da teoria, no entanto, é que, se ela era insuficiente para explicar as interações fortes, havia um outro problema da física para o qual ela estava correta: a gravitação quântica.
“A mecânica quântica e a gravidade existem no mundo real e, por isso, precisamos de uma teoria da gravitação quântica. Mas ela não pode ser compreendida com os algoritmos convencionais. A teoria das supercordas tinha as características para isso”, disse.
Depois da formulação da Amplitude de Veneziano, segundo Witten, descobriu-se que a teoria era incompatível com a massa que se atribuía às partículas. Alguns físicos, então, foram ousados o suficiente para propor que a teoria das supercordas havia sido mal interpretada: as cordas eram muito menores do que se havia imaginado e descreviam gravitação quântica. “Com isso, a teoria foi conduzida novamente para uma nova direção que não poderia ter sido prevista antes”, disse.
Supersimetria e supergravidade
Esse processo de transformação continuou ao longo dos anos e uma das consequências desse desenvolvimento foi perturbadora: a teoria estabelecia que o Universo deveria ter dez dimensões espaciais, além do tempo.
“Isso deve ter parecido uma piada, na época. Mas, quando a teoria foi reinterpretada como uma candidata para unificar todas as teorias de partículas e forças elementares, as dimensões extras deram abertura para que se derivasse toda a complexidade do mundo real a partir de um ponto inicial”, disse Witten.
Os físicos descobriram então a supersimetria, descoberta que o norte-americano considera como a principal contribuição que a teoria das supercordas trouxe para prever tudo de novo que pode ser descoberto na física de partículas.
“A supersimetria levou ao tema extraordinariamente rico da supergravidade – que é a consequência da supersimetria ao descrever a gravidade. A supersimetria e a supergravidade são na verdade o topo de um iceberg muito maior: a teoria das supercordas se baseia em um novo tipo de geometria que nós ainda não entendemos”, afirmou.
De alguma maneira, segundo Witten, existe um novo tipo de geometria que não permite que se fale de “pontos” ou “linhas” no espaço-tempo, mas na qual se pode falar de superfícies mínimas quânticas.
“Depois disso, alguns físicos começaram a se perguntar: por que parar nas cordas? Por que não membranas? Havia uma boa resposta para isso: as cordas funcionam melhor que as membranas por causa das propriedades únicas dos números complexos. Mas, agora, sabemos que as membranas e os objetos de maior dimensão não são parte de uma teoria alternativa. São, de fato, parte da teoria das supercordas”, afirmou.
Enquanto isso, outra ideia era desenvolvida para desafiar os paradigmas então estabelecidos pela teoria das supercordas: a dualidade eletromagnética. Em meados da década de 1990, várias pistas sugeriam que a simetria entre os campos elétricos e magnéticos tinham importância estrutural para a teoria das supercordas.
“A implicação mais direta era o fato de que a dualidade eletromagnética é importante na supergravidade. As várias vertentes – como as membranas e a dualidade eletromagnética – foram integradas na metade da década de 1990, gerando um novo paradigma”, ressaltou.
A partir daí, a teoria só pode ser compreendida em termos de mecânica quântica. “Mas ela não podia ter apenas uma ‘roupagem quântica’. Para entendê-la, seria preciso, de certa forma, que ela desse uma nova interpretação do que significa a mecânica quântica”, disse.
Sendo assim, de acordo com Witten, chegou-se a um novo paradigma: só havia uma teoria das supercordas e ela se tornara a única candidata à superunificação das leis da natureza.
“Na década de 1990, a visão predominante sobre o que significa a teoria das supercordas e sobre como se pode tentar entendê-la foi, mais uma vez, imensamente amplificada. Podemos perguntar: o que vem agora? Qual a próxima grande mudança de perspectiva? Difícil saber. Talvez já tenha havido, na última década, mais uma mudança de interpretação na teoria, mas é difícil identificá-la sem o devido distanciamento”, disse.
Agência FAPESP