O trabalho, coordenado por Gustavo Amarante-Mendes, professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), foi publicado na revista Oncogene, do grupo Nature.
O cientista coordena atualmente um projeto de pesquisa, financiado pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, que tem foco na área de excelência do grupo do ICB-USP: estudos sobre os mecanismos moleculares que regulam os processos de morte celular em câncer e em células do sistema imune.
De acordo com Amarante-Mendes, o trabalho foi a base da pesquisa de doutorado de Daniel Diniz de Carvalho, primeiro autor do artigo. Colaboraram também Welbert de Oliveira Pereira e Janine Leroy, alunos de doutorado e mestrado, respectivamente. Os três tiveram bolsas da FAPESP.
Durante seu desenvolvimento, a partir de 2007, o estudo recebeu diversos prêmios, incluindo o Nature Reviews Cancer Award, durante a 8ª Conferência São Paulo de Pesquisa, o segundo lugar no Prêmio Michel Jamra para Jovens Pesquisadores durante a 23ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), além do Prêmio Ricardo Pasquini, como melhor trabalho sobre leucemia mieloide crônica apresentado no congresso da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (Hemo 2009).
Segundo Amarante-Mendes, a proteína TRAIL induz suas células-alvo à morte iniciando um complexo e bem regulado programa molecular conhecido como apoptose, que é acionado durante o desenvolvimento embrionário, para formar de maneira apropriada órgãos e tecidos. Na vida adulta, a apoptose – ou morte celular – desempenha um papel fundamental na renovação das células.
“Os defeitos no processo de apoptose são observados em diversas formas de câncer e a aquisição de resistência à apoptose é considerada uma das etapas do processo de gênese do tumor. Algumas formas de câncer são capazes de desenvolver resistência à morte induzida por TRAIL. Outras, como a LMC, inibem a produção de TRAIL, escapando desse importante mecanismo de defesa. Nosso estudo demonstrou o funcionamento desse mecanismo molecular”, disse Amarante-Mendes à Agência FAPESP.
A LMC, segundo o cientista é causada por uma proteína quimérica – isto é, que não deveria existir normalmente no organismo –, que surge como resultado de uma “confusão” entre os cromossomos 9 e 22, que trocam trechos entre si.
“É o que se chama de translocação gênica: a proteína ABL, do cromossomo 9, é transferida para a região BCR do cromossomo 22. Isso gera um cromossomo atípico, denominado cromossomo Filadélfia, associado à LMC. O nosso estudo investigou os mecanismos moleculares responsáveis pela inibição da expressão de TRAIL nas células leucêmicas BCR-ABL-positivas”, explicou.
O trabalho, de acordo com Amarante-Mendes, teve colaboração de outros grupos de pesquisa, incluindo as equipes coordenadas por Marco Antonio Zago, pró-reitor de Pesquisa da USP, Eliana Abdelhay, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), e as professoras Fabíola Castro, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCF-RP-USP), e Jacqueline Jacysyn, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Bala mágica
Inicialmente, a equipe observou que a expressão de TRAIL diminuía expressivamente com a progressão da LMC e essa diminuição estava diretamente relacionada a um aumento na expressão de uma outra proteína: a PRAME (sigla em inglês para antígeno preferencialmente expresso do melanoma).
“A PRAME normalmente não é encontrada em células normais, mas está presente com frequência nas células tumorais. Depois de constatar isso, nós observamos que a PRAME é diretamente responsável por inibir a expressão de TRAIL em células leucêmicas”, disse Amarante-Mendes.
De acordo com ele, a PRAME é responsável por recrutar proteínas capazes de inibir a transcrição gênica por meio de mecanismos epigenéticos. “O trabalho mostrou também que esse mecanismo tem implicações terapêuticas para a LMC, uma vez que a inibição de PRAME, por RNA de interferência, é capaz de gerar uma maior expressão de TRAIL, deixando as células leucêmicas mais suscetíveis à apoptose e, consequentemente, à terapia”, afirmou.
Quando a TRAIL foi descoberta, em 1995, pelo fato de matar as linhagens celulares em culturas tumorais preservando, ao mesmo tempo, as linhagens primárias, a proteína foi considerada uma “bala mágica” para o futuro do tratamento do câncer. Alguns tratamentos clínicos com base na TRAIL chegaram a ser desenvolvidos.
“O problema é que algumas formas de câncer são resistentes a essa sinalização. Em outras formas, como no caso estudado, o gene ABL-BCR mantém baixa a expressão de TRAIL. Por isso focamos os estudos na tarefa de desvendar esse mecanismo”, disse Amarante-Mendes.
É possível que o mesmo mecanismo desvendado pelos pesquisadores, segundo ele, possa ocorrer não só na LMC, mas também em outros tipos de tumores onde a expressão de PRAME é elevada.
“Essa possibilidade – e suas implicações clínicas – é o próximo passo para os nossos estudos”, disse o cientista. O tema, segundo ele, já começou a ser investigado por Bárbara Mello, que desenvolve no laboratório do ICB seus estudos de pós-doutorado, com bolsa da FAPESP.
O artigo BCR-ABL-mediated upregulation of PRAME is responsible for knocking down TRAIL in CML patients (doi:10.1038/onc.2010.409), de Gustavo Amarante-Mendes e outros, pode ser lido por assinantes da Oncogene em www.nature.com/onc.
Agência FAPESP