O projeto surgiu da necessidade da empresa Corn Products Brasil de ampliar as aplicações de um plástico biodegradável conhecido como Ecobras, que já está no mercado, desenvolvido em parceria com a Basf. O Ecobras é um plástico flexível usado, por exemplo, na fabricação de sacolas de supermercado, que mistura na sua formulação amido de milho e uma resina polimérica termoplástica de nome Ecoflex, obtida pela Basf a partir de uma fonte petroquímica. “A mistura de 51% em massa de amido de milho ao Ecoflex resultou no produto Ecobras, um plástico flexível biodegradável”, diz o professor Elias Hage Júnior, professor do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, coordenador do projeto que resultou em um terceiro composto, o plástico biodegradável rígido. “A adição da casca da mandioca ao Ecobras confere rigidez ao material, enquanto a fibra de coco oferece maior resistência mecânica, tornando o plástico menos suscetível a rupturas”, diz Hage Júnior.
Os testes de biodegradação do material foram feitos em uma espécie de aquário, em que corpos de prova são enterrados no solo e periodicamente retirados para análises. “Verificamos que os corpos de prova feitos com o plástico Ecobras em associação com a casca de mandioca e a fibra de coco desapareceram completamente em seis meses”, relata Hage Júnior. Ou seja, se o material for utilizado em recipientes como tubetes para plantio de mudas de reflorestamento ele poderá ser enterrado junto com a muda no solo e se biodegradará enquanto a planta cresce.
Plástico rígido – Os tubetes feitos de plástico convencional, como polipropileno, não podem ser reutilizados, principalmente no caso de plantios em larga escala, porque se eles estiverem contaminados com fungos e bactérias as doenças provavelmente serão transmitidas para a próxima geração de plantas. O projeto, que teve início em 2008 como uma prestação de serviços da UFSCar, terminou em 2009. A primeira fase da pesquisa, que resultou no plástico biodegradável rígido, foi encerrada e repassada para a empresa. Na universidade as pesquisas continuam em busca de novas formas de aplicação para esse filme bioplástico. Entre elas está a incorporação de substâncias, por exemplo, que possam interagir com alimentos.
Na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, pesquisadores desenvolveram uma formulação composta por 80% de amido de mandioca e 20% de fibra de cana-de-açúcar destinada à fabricação de bandejas para produtos secos, como pães, frutas e verduras. “É um produto com boas propriedades mecânicas, biodegradável e com baixo custo de fabricação”, diz a professora Suzana Mali de Oliveira, do Departamento de Bioquímica e Biotecnologia da UEL, que coordena o projeto de pesquisa dedicado ao desenvolvimento de bandejas biodegradáveis. Há 10 anos o foco do grupo de pesquisa da UEL era apenas o amido de mandioca, mas faz quatro anos que começaram a misturá-lo com fibras. A incorporação de fibras como o bagaço da cana deu origem a um material rígido e de baixa densidade, que apresenta um aspecto similar ao do poliestireno expandido e pode ser moldado por termoformação. Mas seu uso, por enquanto, se restringe a produtos secos, porque a umidade pode degradar a embalagem.
Outra vertente das pesquisas lideradas por Suzana trata do desenvolvimento de bandejas para alimentos feitas com amido de mandioca e reforçadas com nanocompósitos. “Temos usado nanoargilas, que são pós originários da decomposição de cinzas vulcânicas, na concentração de 2,5% a 5%, misturados a fibras vegetais”, diz a pesquisadora, que está testando várias formulações com diferentes concentrações. O tempo em que o material permanece no ambiente varia de acordo com as condições. “Quando submetidos a bastante umidade, alguns materiais se degradaram completamente em 45 dias”, diz a pesquisadora. O projeto, intitulado Aplicação de nanocompósitos no desenvolvimento de embalagens biodegradáveis de alimentos, faz parte do edital Jovens Pesquisadores em Nanotecnologia, lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O amido de mandioca também entra na composição de filmes plásticos biodegradáveis desenvolvidos pelo grupo de pesquisa coordenado pela professora Maria Victória Eiras Grossmann, do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da UEL, que podem ser usados para acondicionar mudas de plantas, proteger frutas no campo ou ainda como cobertura de solo para o cultivo de hortaliças e frutas. Para melhorar as propriedades mecânicas dos filmes os pesquisadores utilizam glicerol – substância resultante do processo de produção de biodiesel – da ordem de 5% a 30%. “O glicerol funciona como um plastificante que deixa o material menos rígido”, diz o professor Fabio Yamashita, que participa do grupo de pesquisa. Mais conhecido pelo nome comercial de glicerina, o glicerol pode ser obtido tanto de óleos vegetais como de derivados de petróleo. “Estamos testando gliceróis da indústria do biodiesel com vários graus de pureza para avaliar o desempenho de cada um”, diz Yamashita. “Queremos saber se o grau de pureza tem ou não influência nas propriedades mecânicas e de barreira a vapor de água e gases dos filmes.”
Respiração controlada – Os filmes plásticos biodegradáveis são obtidos pelo processo de extrusão, o mesmo empregado na produção de embalagens sintéticas convencionais, feitas de polietileno, polipropileno e outros derivados de petróleo. “Nosso trabalho consiste em fazer blendas de amido e Ecoflex com alguns aditivos e compatibilizantes para melhorar as propriedades mecânicas e de barreira”, explica Yamashita. Os filmes com permeabilidade seletiva a gases, por exemplo, podem ser usados para controlar a respiração de frutas e hortaliças, funcionando como uma embalagem de atmosfera modificada. Ou para produzir saquinhos que envolvem as frutas no campo e funcionam como proteção ao ataque de pragas. Testes feitos com goiabas mostraram que as frutas se desenvolveram muito bem envoltas em embalagens feitas com os filmes biodegradáveis. Os testes também envolveram o plantio de mudas de plantas medicinais em embalagens feitas com o plástico de amido de mandioca, Ecoflex e glicerol. Elas resistiram 120 dias, em média. “A grande vantagem desse material é que, por ser biodegradável, não é preciso tirar a muda da embalagem para fazer o transplante para o solo, o que, dependendo do tipo de planta, acaba danificando as raízes”, diz Yamashita.
Quando usado como cobertura de solo, o filme é colocado para proteger hortaliças, frutos e flores do contato direto com a terra. Além disso, ele evita o desenvolvimento de ervas daninhas que concorrem com a produção.
Atualmente os agricultores usam para essas aplicações uma cobertura plástica, também conhecida como mulch. A mistura de amido, Ecoflex e glicerol varia de acordo com o tipo de aplicação. “Na cobertura de solo para o morango trabalhamos com formulações que variam de 30% a 70% de amido termoplástico”, diz Yamashita. Os melhores resultados foram obtidos com a mistura de 30% de amido termoplástico. A vida útil do material depende da aplicação. Na plantação de morangos, a cobertura de solo entrou em processo de degradação após três meses.
Uma nova linha de pesquisa de bioplástico começou a ser desenvolvida recentemente na UEL com o poli (ácido láctico), um polímero biodegradável também chamado de PLA. “O objetivo é o desenvolvimento de um PLA formulado com até 70% de amido de mandioca, glicerol e compatibilizantes, para produção de filmes para diversos tipos de embalagem”, diz Yamashita. Filmes de amido de milho, batata e trigo já são produzidos em escala industrial pela empresa Novamont, da Itália, com o nome comercial Mater-Bi. Mas os detalhes da formulação são um bem guardado segredo industrial. A empresa anuncia que o produto, em forma de grânulos, pode ser utilizado na fabricação de sacos de lixo e outras aplicações, como garrafas, pratos e talheres, ou na fabricação de brinquedos.
> Artigos científicos
1. MALI, S.; DEBIAGI, F. et al. Starch, sugarcane bagasse fibre, and polyvinyl alcohol effects extruded foam properties: A mixture design approach. Industrial Crops and Products. v. 32, p. 353-59. 2010.
2. MALI, S.; SAKANAKA, L.S. et al. Water sorption and mechanical properties of cassava starch films and their relation to plasticizing effect. Carbohydrate Polymers. v. 60, p. 283-89. 2005.
3. BRANDELERO, R.P.H.; YAMASHITA, F.; GROSSMANN, M.V.E.. The effect of surfactant Tween 80 on the hydrophilicity, water vapor permeation, and the mechanical properties of cassava starch and poly(butylene adipate-co-terephthalate) (PBAT) blend films. Carbohydrate Polymers. v. 82, p. 1.102-09. 2010.
Revista Pesquisa FAPESP