O professor coordena o Projeto Temático Mudanças socioambientais no Estado de São Paulo e perspectivas para a conservação, financiado pela FAPESP.
A reflexão sobre valoração econômica e conservação da biodiversidade foi feita a partir de uma análise das mudanças socioambientais ocorridas na região de Angatuba (SP), município situado a cerca de 210 quilômetros a oeste da capital paulista.
“A análise das mudanças ao longo do tempo mostrou que a configuração que encontramos hoje na região estudada tem uma base mais histórica que propriamente geográfica biológica. As transformações econômicas no decorrer do processo histórico foram o motor das mudanças nos processos ecológicos e agrícolas. Ao mesmo tempo, o estudo indica que a atividade econômica – às vezes vista como uma panaceia para combater a perda da biodiversidade – pode ser também a causa dessa perda”, disse Verdade.
A localidade de Angatuba foi elevada à categoria de município no ano de 1885. Entre 1889 e 1929, a população rural era predominante na área onde foi realizado o estudo. Havia pelo menos 30 famílias instaladas na zona rural.
“Era uma região com concentração de poder político, de onde saíram senadores e governadores naquela época. Na área de educação, havia ali um esforço maior que em outras cidades do mesmo porte. Em função desse desenvolvimento, houve um grande desmatamento, com a introdução de culturas de café, feijão, milho e frutas. Havia uma pressão de caça significativa e intensa extração de madeira. Naquele período, a população escrava foi substituída por imigrantes”, disse Verdade.
Com a crise financeira de 1929, a cultura de café foi subitamente abandonada, acarretando a recuperação da vegetação nativa. A depressão econômica causou um êxodo rural – os descendentes de escravos não permaneceram na região –, perda do poder político e retração dos esforços educacionais.
“Entre 1930 e 1975, houve um considerável processo de revegetação nativa – área de transição entre Cerrado e floresta semidecídua – e uma diminuição sensível da pressão de caça”, disse.
Entre 1975 e 2005, a população rural da área estudada passou por outra retração: restaram apenas cerca de dez famílias. “Mas o desmatamento da vegetação nativa voltou a aumentar, com o avanço dos pastos e da pecuária. Algumas árvores permaneceram no meio dos pastos, modificando a composição da paisagem. A pressão de caça voltou a ser significativa”, disse o pesquisador.
Em 2005, com a chegada da silvicultura, a população diminuiu ainda mais. Restaram duas ou três famílias. A legislação ambiental garantiu a implementação de áreas de preservação permanente (APP) e da reserva legal (RL).
“Graças a isso, está ocorrendo um novo processo de revegetação nativa e a pressão de caça voltou a diminuir. O esforço educacional do começo do século 20 também retornou, na forma de um esforço científico, com o nosso Projeto Temático e outras ações de pesquisa. Hoje, encontramos uma paisagem ainda mais modificada pelo advento da silvicultura, com eucaliptos no meio dos campos, por exemplo”, afirmou.
O caso de Angatuba, segundo Verdade, ilustra os processos que ocorreram de maneira geral em todo o Estado de São Paulo. “As mudanças ocorridas no estado se devem a transformações econômicas ao longo do processo histórico – e não tanto a transformações biológicas. As atividades econômicas vêm movendo os processos ecológicos e agrícolas”, disse.
Perspectivas econômicas
A biologia da conservação passou por diferentes momentos desde sua origem na década de 1970, a partir da obra do biólogo norte-americano Michael Soulé, que hoje atua na Universidade da Califórnia em Santa Cruz, Estados Unidos. No início, a preocupação estava voltada principalmente para as populações pequenas, submetidas ao risco de extinção.
“A partir disso, houve o desenvolvimento de outras disciplinas ligadas á conservação biológica, incluindo a Ecologia da Paisagem e a medicina da Conservação. Em um dado momento, passou-se também a pensar nas dimensões econômicas ligadas aos processos de conservação de biodiversidade. Nesse sentido, Robert Costanza, da Portland State University, dos Estados Unidos, destaca que o “investimento na conservação sempre implica em custos”, disse Verdade.
Outra corrente, liderada pelo australiano Graeme Caughley (1937-1994), prega que são os processos demográficos de declínio populacional, envolvendo taxas de natalidade e de mortalidade, que empurram as populações para as extinções. A extinção, portanto, não seria apenas um problema de populações pequenas.
“Nessa perspectiva, há poucas alternativas em termos de conservação. Em um primeiro momento, podemos tentar aumentar o número de indivíduos de uma espécie que sofreu declínio populacional indevido. Nesse sentido, pode-se considerar a conservação como uma prática de manejo de espécies ameaçadas”, explicou.
Outras práticas possíveis são o controle de populações que tenham crescido indevidamente, ou o manejo para se alcançar o máximo rendimento sustentável de populações com valor econômico para caça, pesca ou coleta.
“Mas a motivação econômica para o manejo ocorre especialmente em duas categorias de populações: as ‘pragas’ e as espécies com valor econômico. As espécies consideradas ‘pragas’, são algumas dezenas. As de valor econômico – assim como as espécies ameaçadas – são contadas às centenas. A maior parte das espécies – alguns milhões delas – não se encaixam, no entanto, em nenhuma dessas categorias”, disse o professor da Esalq.
Quando se trata de controle na perspectiva da dimensão econômica, o objetivo é promover a extinção da espécie em questão. “Mas raramente temos sucesso com isso. Estudos mostram, por exemplo, que fêmeas de coiotes de populações sob alta pressão de caça ovulam mais que fêmeas de populações não caçadas. Exceto em relação a alguns grandes mamíferos, predominam exemplos de fracasso no manejo visando ao controle. Nunca vamos extinguir as baratas, por exemplo”, afirmou.
Quanto à exploração econômica das espécies, Verdade conta que os fatores culturais têm um papel que nem sempre é levado em conta. “No Brasil, por exemplo, somos muito conservadores em relação à pesca e muito liberais em relação à pesca. Na caça não se pode nada, com algumas exceções. E na pesca, pode-se tudo, com algumas exceções”, disse.
A visão da sociedade em relação à caça/pesca esportiva, segundo o cientista, é muito mais negativa que em relação à caça/pesca comercial. Mas a caça esportiva traria consigo um componente cultural, não econômico: o caçador quer perpetuar o animal para poder caçar sempre.
“O aspecto cultural assegura que o objetivo da atividade em si seja não econômico, o que permite sua perpetuação. A lógica econômica da caça comercial, por outro lado, tem como objetivo a exaustão de uma espécie e, em seguida, a busca de outra espécie até sua exaustão e assim sucessivamente. No entanto, ela é mais tolerada que a caça esportiva”, disse o membro da coordenação do Biota-FAPESP.
Desenvolvimento de mão dupla
A agricultura tem um impacto muito maior do que a caça na alteração do ambiente. A atividade agrícola traz benefícios inegáveis, de acordo com ele, permitindo o acúmulo de alimento. Mas traz também problemas ambientais.
“Justamente por ter permitido o adensamento populacional urbano, a atividade agrícola tem um custo ambiental altíssimo, gerando poluição e doenças. A agricultura gera riqueza e podemos dizer que ela viabilizou a civilização. Até mesmo as guerras só passaram a existir graças a ela, porque os exércitos só podiam se locomover se tivessem comida acumulada. Antes da agricultura só havia guerrilha”, disse Verdade.
Fenômeno ligado à economia, o desenvolvimento, de modo geral, traz consigo dois custos ambientais significativos: o aumento do consumo de energia e a destruição do habitat de certas espécies. Essa destruição do habitat teria extinguindo mais espécies que a própria caça.
“O processo de desenvolvimento leva a uma situação peculiar: quando a vontade individual se sobrepõe à vontade coletiva, normalmente se opta pelo benefício individual, o que leva ao colapso do sistema. Se não houver certa regulamentação, não se pode pensar na manutenção da funcionalidade do sistema. Para a coletividade brasileira, por exemplo, seria mais interessante manter um Código Florestal mais conservador. Mas, para setores individuais, o benefício vem com a relativização do código”, afirmou.
Nesse contexto a solução pode estar na valoração da economia dos serviços de ecossistemas – como a água e os polinizadores, por exemplo. “Mas esse processo de valoração tem limitações e requer avanços tecnológicos. As regulações exigem fiscalização. E os preços de mercado são flutuantes, o que dificulta a tarefa”, disse Verdade.
Para o cientista, o estudo do caso de Angatuba, colocado em perspectiva histórica da biologia da conservação, sugere que a atribuição de valor econômico não basta para preservar os recursos naturais. Segundo ele, há valores econômicos envolvidos – valores históricos, culturais e estéticos – que não podem ser negligenciados.
“O mercado varia, os preços caem e as crises acontecem. Há possibilidade de agregar valores à conservação da biodiversidade, de forma que o processo evolutivo seja mantido da melhor maneira possível. Nesse aspecto, as dimensões econômicas podem ser interessantes. Mas, se não agregarem valores não-econômicos, serão incapazes de garantir por si só a conservação da biodiversidade”, disse.
Agência FAPESP