Aproveitando a experiência adquirida a partir da discussão sobre os OGM, a comunidade científica internacional procura agora evitar que os mesmos problemas se repitam em relação à percepção pública sobre a biologia sintética – nova área que visa a projetar e construir novas funções e sistemas biológicos com inspiração nos processos naturais.
Segundo Patricia, as tecnologias proporcionadas pela biologia sintética têm relação com os aspectos mais profundos da vida – e isso levantará, inevitavelmente, preocupações na sociedade.
“São tecnologias que tendem a trazer mudanças abruptas, com alto potencial de impacto na sociedade. Trata-se de questões cujo centro é a noção da vida. Os cientistas têm um papel central no esclarecimento dessas questões. Temos que ser criativos em relação ao tratamento desse assunto e às formas de comunicação”, disse à Agência FAPESP.
A biologia sintética, segundo Patricia, é uma ferramenta fundamental para o avanço de um tipo de conhecimento que gera preocupação em certos setores da sociedade. “A comunidade científica precisa estar aberta para discutir essas preocupações. O ideal é que, antes que se inicie qualquer polêmica, estejamos preparados para lidar com a questão”, afirmou.
A pesquisadora aponta que a melhor estratégia consiste em antecipar quais serão as preocupações do público de modo que a comunidade científica esteja preparada para combater a desinformação e saiba como lidar com eventuais polêmicas.
“É nisso que estamos investindo. Lidar com a questão da biologia sintética será uma tarefa muito mais fácil que a de lidar com os OGM, porque agora as preocupações da sociedade são parte fundamental do debate. Vamos nos concentrar nessas preocupações de modo que o público possa desenvolver confiança nos cientistas, compreendendo que essa tecnologia poderá levar a importantes conquistas”, explicou.
Patricia apresentou, durante o evento, resultados de dois projetos realizados por parcerias público-privadas na Holanda sobre a percepção pública relacionada à biologia sintética.
Um deles, no Centro Kluyver para Genômica Industrial – que tem orçamento anual de 200 milhões de euros e dispõe de 250 pesquisadores nas universidades e na indústria –, buscou compreender os problemas públicos subjacentes relacionados com a biologia sintética e a genômica industrial.
“O objetivo foi identificar futuros problemas, quantificar os impactos da inovação e desenvolver, a partir de tudo isso, estratégias de comunicação proativa”, disse Patricia.
O segundo projeto, denominado Be-Basic, tem orçamento de 120 milhões de euros anuais, 150 pesquisadores e um programa que avalia o uso na sociedade de produtos e processos de base biológica, além de questões de sustentabilidade.
“O foco consiste em verificar os melhores modelos e tecnologias e, ao mesmo tempo, fazer análise de percepção do público em questões de política tecnológica global”, disse.
O material levantado pelas duas instituições foi a base para um primeiro estudo sobre as questões éticas e percepção pública a respeito da biologia sintética, na mídia e na sociedade europeia de modo geral. O objetivo foi fornecer orientação para os legisladores e formadores de opinião de modo a informar o público sobre o assunto de maneira imparcial.
“O estudo gerou quatro questões principais que podem ser preocupações para a sociedade: a noção de que trabalhar com a biologia sintética equivale a ‘brincar de Deus’; as complexas questões relacionadas à governança – envolvendo questões de monopólio tecnológico –; o tema das patentes; e os riscos de segurança envolvidos com a tecnologia”, disse Patricia.
Os cientistas holandeses analisaram o material já publicado na mídia sobre biologia sintética e fizeram entrevistas com legisladores. “Na avaliação que fizemos, concluímos que as questões éticas são mais sérias e preocupantes do que as questões técnicas envolvidas com o tema”, disse.
Com a análise de material publicado na imprensa na Europa e nos Estados Unidos, os cientistas puderam avaliar a presença de cada uma das quatro questões no debate público. Cerca de 17% das matérias sobre o tema remetiam à ideia de “brincar de Deus”. As questões ambientais apareciam em 70% dos textos.
“As questões sociais surgiram em menos de 10% dos casos. As questões legais, em 25%. E as questões econômicas também em 25%. A discussão sobre o biorrisco é expressivamente mais frequente nos Estados Unidos que na Europa”, disse a cientista holandesa.
Relação de confiança
Em um balanço sobre a percepção pública feito a partir do material reunido, os pesquisadores constataram que a maioria das pessoas considera ter pouco conhecimento sobre o tema.
“Vimos que o público também acha que os riscos parecem ser muito vagos e que não existe alguém que controle o que é feito na área de biologia sintética. A consequência dessa percepção é, sem dúvida, um baixo grau de confiança nos cientistas. E sabemos que, na balança da percepção pública, pouca confiança leva ao anseio por mais regulamentação”, disse.
De acordo com os estudos, na Europa o público vê os cientistas como os atores mais bem qualificados para explicar os impactos dessas tecnologias à sociedade. “Temos dados de 2005 que diziam que 52% dos europeus confiavam nos cientistas para explicar os impactos dos novos conhecimentos. Agora, chegamos a cerca de 63%. Essa é uma boa notícia”, afirmou Patricia.
Segundo Patricia, o debate público, por definição, não pode ser programado. Mas é possível prever as questões que deverão ser discutidas. “Esse tipo de estudo pode nos ajudar a fazer o público entender essas questões muito cedo, em particular aquelas ligadas à ética. Os cientistas têm um papel muito importante na construção dessa relação de confiança”, disse.
Agência FAPESP