O projeto Minimização dos Impactos dos Sistemas de Saneamento (Minisis), apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, analisou o problema de maneira ampla e resultou em uma série de contribuições ao sistema de saneamento por fossas sépticas.
“As fossas convencionais são bastante eficientes em degradar matéria orgânica infiltrada no solo, mas o seu rendimento é limitado para nutrientes, como o nitrogênio”, disse Ricardo Hirata, professor do IG-USP e coordenador do projeto. O resultado é a contaminação do ambiente por microrganismos e por nitrato (NO3), uma das formas que se apresenta o nitrogênio no ambiente e que é muito estável e móvel e pode permanecer por décadas nas águas subterrâneas.
A dificuldade de degradação do nitrato, aliada ao fato de derivar de uma fonte crescente, os dejetos humanos, fazem dele o contaminante mais abundante do planeta nas águas subterrâneas. “O nitrato não é o contaminante mais agressivo, mas com certeza é o mais comum e o que se apresenta em maior volume nos reservatórios de água subterrânea, os aquíferos”, disse.
O problema aumenta com o crescimento das cidades, cujas redes de coleta de esgoto nunca crescem na mesma proporção. O resultado é a permanência de nitrato no ambiente por períodos que podem chegar a centenas de anos.
O nitrato permanece nos lençóis freáticos e volta à população com a captação de água por poços ou nascentes, configurando-se em um grande problema de saúde pública. “Um dos mais sérios casos de contaminação é o da cidade de Natal (RN), cuja população consome água encanada com nitrato”, disse Hirata.
Em São Paulo, a situação também requer atenção, segundo o pesquisador, pois 75% dos municípios paulistas são abastecidos total ou parcialmente pela água que vem de fontes subterrâneas, muitas dessas vulneráveis à contaminação por fossas.
Sem condições financeiras de construir uma estrutura apropriada, muitos moradores cavam buracos simples no solo e que, frequentemente, encontram o nível freático. Esse recurso, chamado de “fossa negra”, é ainda mais nocivo ao ambiente, pois injeta o contaminante diretamente na água subterrânea, sem que nenhuma forma de redução do contaminante possa ocorrer no solo, onde se processa a maior parte da transformação bioquímica dessas substâncias nocivas, segundo o professor.
Desenvolvimento no local
Para desenvolver o novo modelo de fossa, o grupo da USP precisava de uma comunidade que não fosse atendida pela rede de esgoto. O bairro de Santo Antônio, no distrito de Parelheiros, zona sul de São Paulo, foi o escolhido.
Os pesquisadores acompanharam o desempenho de duas fossas pertencentes a moradores vizinhos. Uma delas, a fossa controle, era do tipo negro convencional. A segunda foi construída na casa ao lado segundo a tecnologia desenvolvida pelo grupo.
A fossa projetada pelos pesquisadores tem dois níveis. O primeiro é formado por óxidos de cálcio e de ferro, um rejeito da indústria siderúrgica com propriedades bactericidas. “Por ter um pH muito alto, próximo de 12, esse material consegue degradar vírus e bactérias com alta eficiência”, explicou Hirata.
Para o experimento a equipe conseguiu trazer escória do porto capixaba de Tubarão, que possui grande fluxo de exportações de minério de ferro. Após passar pela camada mineral, o líquido efluente percola para a segunda barreira reativa, composta por areia e serragem da madeira cedrinho. Os cavacos de madeira, que fornecem carbono ao meio por respiração aeróbica, consomem o oxigênio e propiciam que o nitrato seja reduzido bioquimicamente a um gás de nitrogênio.
O projeto foi bem-sucedido e a primeira camada eliminou 95% dos vírus e bactérias presentes. Já a barreira de serragem e areia degradou com eficiência 60% do nitrato encontrado, mas Hirata aponta que o conhecimento alcançado no experimento permite melhorar esse número para 80%.
A degradação do nitrato no novo sistema foi tema da tese de doutorado de Alexandra Vieira Suhogusoff, defendida este ano. A aluna foi orientada por Hirata e teve apoio FAPESP por meio de uma Bolsa de Doutorado Direto.
A redução dos microrganismos obtida na primeira camada da fossa rendeu a tese de doutorado de Jesse Stimson, da Universidade de Waterloo, no Canadá, instituição que colaborou com o projeto de pesquisa.
O trabalho ainda contou com equipamentos de monitoramento para controlar a quantidade de material lançado em cada fossa e permitir a retirada de amostras. Os resultados obtidos foram usados para construir modelos numéricos que indicaram a possibilidade de se repensar a ocupação urbana sem rede de esgoto, permitindo aumentar o número de fossas sem implicar contaminações das águas subterrâneas ou mesmo superficial.
“Como ela é mais eficiente, podemos aumentar em até 60% a densidade de fossas em um bairro, comparativamente à capacidade de suporte com uso de técnicas convencionais”, afirmou Hirata, ressaltando que o custo da obra é bem acessível, embora não tenha estimado o valor exato.
Outra vantagem é que a construção da nova fossa não exige treinamento específico de profissionais. “Qualquer pedreiro familiarizado com obras de poços é capaz de construir o novo modelo”, disse. Isso permite que seja utilizada mão de obra local, mais acessível financeiramente.
Poços mais seguros
Outro resultado do projeto foi o desenvolvimento de uma metodologia para avaliação sanitária de poços de água. Trata-se de um questionário simples com dez perguntas objetivas que exigem respostas simples de “sim” ou “não”, como “há criação de animais próxima ao poço?”, “o poço possui trincas na parede interna?” e “a água que sai da cozinha passa a menos de 10 metros do poço?”
Com ele, um agente de saúde pode fazer um levantamento da qualidade da água consumida em um bairro, uma vez que a qualidade do poço é estimada a partir do número de respostas positivas recebidas.
“É um modo simples de municiar os órgãos de saúde pública na importante questão do consumo de água na área periférica de cidades”, sugeriu Hirata, que alertou para o fato de a população não possuir parâmetros objetivos para avaliar a água de seus poços.
“Para muitos, a água cristalina e fresca é sinônimo de água potável e, como as doenças provocadas pela contaminação aparecem esporadicamente, eles não associam essas doenças à qualidade da água”, apontou. O questionário foi adaptado de uma metodologia desenvolvida na Inglaterra e aplicada com sucesso em alguns países africanos.
Segundo o professor do Instituto de Geociências da USP, a fossa e o questionário desenvolvidos nessa pesquisa são soluções baratas e que podem ajudar especialmente as áreas mais afastadas e carentes enquanto não recebem rede de esgoto.
“O ideal seria que todos tivessem coleta de esgoto, porém, como nossa experiência mostra que a área de saneamento não costuma contar com muitos recursos, essas soluções poderiam amenizar muito a contaminação da água e reduzir os problemas de saúde da população”, disse Hirata.
Agência FAPESP