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dna_1Universidade Federal de Minas Gerais - Professor e pesquisador na área de genética e evolução na UFMG, Fabrício dos Santos encontra-se hoje à frente de diversos projetos brasileiros e internacionais que investigam a diversidade e evolução biológica. Não são apenas estudos de laboratório ou de área isolada. Haja vista o Projeto Genográfico, financiado pela National Geographic Society, do qual é coordenador para a América Latina: por meio de análise do DNA das populações indígenas da região, seu grupo busca reconstruir a história de povoamento do continente, antes do período das grandes navegações, em 1500.
Nesta entrevista ao Portal da UFMG, ele faz um breve balanço sobre os recém comemorados dez anos de sequenciamento do primeiro genoma humano e mostra as novas direções que o projeto está tomando, com o aprimoramento de tecnologias e o aumento do volume de dados disponíveis para análise. “Tentaremos trabalhar com muitos genomas ao mesmo tempo”, detalha o biólogo geneticista.

As promessas de terapias revolucionárias anunciadas pelo projeto Genoma Humano foram precipitadas?
Depende do que se chama de promessa. Um especialista, que sabe o que é o genoma, fala de uma perspectiva mais estrita. Mas se fala como político, isso ocorre numa janela muito grande. De qualquer forma, o genoma foi e é necessário porque sem ele não poderíamos concretizar centenas de outros projetos. Sequenciar, no entanto, é só uma parte do trabalho. Na realidade, em 2003 é que foi finalizado o primeiro genoma de um indivíduo, o que representava apenas uma pessoa em cerca de 6,4 bilhões no mundo inteiro. Hoje sabemos que esse universo é muito mais complexo, pois existe grande variação entre indivíduos. Há diversos achados que são de interesse da medicina, mas que para resolvê-los é preciso conhecer essa variação de genomas entre indivíduos. Então, não estamos falando de um, mas de milhares de genomas. Atualmente há pelo menos 15 genomas humanos completamente sequenciados e centenas de outros em processamento. Para o final deste ano há uma previsão de mais mil estarem concluídos.

O que vai permitir isso?
Houve um salto tecnológico nas máquinas de sequenciamento de alto desempenho. Elas são milhares de vezes mais rápidas do que as que contamos em nossa rede de sequenciamento, no Brasil, por exemplo. Com os novos equipamentos, os pesquisadores estão conseguindo fazer o trabalho muito rapidamente.

Quais mudanças elas trouxeram ao processo de sequenciamento?
A etapa de extração de DNA é idêntica, mas a de geração de sequências mudou. No processo antigo, após a obtenção de DNA puro, o sequenciamento era feito em várias etapas. Temos um tipo de sequenciador na UFMG que atua desse modo. Sequenciamos pedacinho por pedacinho do DNA e depois montamos essas pequenas partes até formar o genoma completo. O genoma humano completo possui 3 bilhões de pares de base [os nucleotídeos do DNA são bases nitrogenadas que se complementam: Guanina (G) + Adenina (A) ou Timina (T) + Citosina (C). Por esse motivo, os compostos GA e TC são chamados de pares de base]. Neles estão as variações que nos tornam diferentes. O ideal é ter o sequenciamento completo de cada indivíduo. Mas, com as máquina antigas, o processo tomava muito tempo e por isso laboratórios do mundo inteiro se reuniram para que cada um sequenciasse os pedacinhos dos cromossomos. O trabalho demorou de 1990 a 2003. Na verdade, 90% do sequenciamento foi feito nos últimos três anos desse período.

Essa aceleração também decorreu da tecnologia?
Houve o início de um salto tecnológico com máquinas iguais às que hoje temos aqui na UFMG. Elas são mais rápidas e sequenciam mais "pedacinhos" ao mesmo tempo. Porém, com o outro salto tecnológico que começou em 2005-2006, os equipamentos passaram a fazer o sequenciamento todo de uma só vez. Essa é a diferença. Pelo novo método, o DNA é todo "picotado". A partir disso, bilhões de pedacinhos do genoma são seqüenciados e lidos por um software no computador em pouco tempo. Hoje se calcula que, em até dois dias, seja possível gerar a sequência do genoma de uma pessoa.

Qual é então o novo desafio?
O problema não é tanto gerar os dados de sequência, mas analisá-los. É a etapa da bioinformática. O processo ainda é demorado e encontra-se defasado.

Identificar então uma mutação responsável por uma doença é como achar agulha em palheiro...
Se você sabe onde está o gene, não há problema. Porém, cerca de 20% dos genes humanos são conhecidos apenas por análise de computador. Não se sabe, biologicamente, o que eles são de verdade. Reconhecemos que é um gene porque possui uma estrutura específica, produz uma proteína. Mas sua função, ou seja, o que a proteína faz, não compreendemos muito. Esse era o grande problema do genoma inicial, porque uma questão é você dizer que vai sequenciar todo o DNA. Outra, é saber a função de todas as partes do genoma. Essa etapa de genômica funcional demanda muita pesquisa e é demorada de fazer.

Retornando à primeira pergunta, quando uma nova área da ciência desponta ela precisa se legitimar perante o público, os financiadores e o governo mostrando as aplicações que podem gerar. As promessas, por exemplo, de terapias gênicas, talvez tenham esse significado: demonstrar as boas repercussões para as pessoas...
É difícil para as pessoas compreenderem que não há como fazer essa segunda parte sem sequenciar o genoma. Mas muito foi feito depois do primeiro genoma. De 2003 para cá, foram identificadas várias funções dos genes. Isso ocorreu primeiro por meio do computador, depois foram analisadas as funções biológicas deles. Hoje, todos estão tentando buscar essas relações: entre o fenótipo, a característica do organismo e as doenças, e o genótipo, a parte do genoma onde está o gene responsável pelo fenótipo. Há doenças genéticas que são passadas de pai para filho que ainda não se sabe qual é o gene exato que as causam. Elas também demandam estudos médicos detalhados, como analisar o genoma de famílias. Um exemplo incomum: há um mês foi publicado o genoma de Lupinski, um geneticista da Universidade do Texas, em Houston.

Qual o diferencial?
Ele sequenciou o próprio genoma. Portador da doença de Charcot-Marie-Tooth, após anos de pesquisa convencional sem sucesso fez o próprio genoma e descobriu que herdou cópias defeituosas de um gene do pai e da mãe. Dessa forma, descobriu-se outro gene que está associado com a doença. O fenômeno ocorre pontualmente porque cada gene tem uma função diferente. Temos menos de 30 mil genes – e, antes do Projeto Genoma, pensávamos que fossem 100 mil. Sabemos muitas vezes que um gene está associado com uma doença, mas não entendemos exatamente sua função.
Veja as doenças neurológicas: talvez sejam as últimas a serem totalmente elucidadas. Mas como falar de uma doença se não conhecemos nem como o cérebro é formado? Não sabemos como os genes se associam e formam as células dos neurônios e, depois, como o cérebro gera esta estrutura que temos. Antes se dizia que quando se fizesse o genoma conheceríamos o que nos faz humanos, pois somos inteligentes, etc. Mas temos os mesmos genes expressos [em atividade] de um cérebro de chimpanzé, ainda não encontramos esta diferença que nos parece tão evidente.

Há um banco de genes com dados sobre o sequenciamento. Ele incorpora informações sobre a caracterização funcional?
O GenBank possui todos os dados de sequências de DNA feitas no mundo inteiro, de qualquer organismo. Ele é público e fica nos Estados Unidos. Nesse banco, você pode entrar em vários genomas como de vírus, bactérias, eucariotos e outros. Ele lista, por exemplo, vários genomas de animais e descreve também determinados cromossomos. Pode conter informações sobre provável relação de um gene com uma doença. Por exemplo, a descrição indica uma proteína A que aparece na célula de um órgão do corpo humano. Outras informações detalhadas devem ser buscadas em livros e artigos científicos.

Certa vez o senhor mencionou que o Projeto Genoma estaria entrando em nova etapa e que mudaria radicalmente a sua trajetória. Do que se trata?
Tentaremos trabalhar com muitos genomas ao mesmo tempo. Mas não sei se os computadores vão suportar tanta informação. Apenas um genoma humano pode ter três bilhões de pares de base...

Isso significa que a direção que o projeto está adotando é a de comparar genomas?
Sim, pois assim várias novas funções gênicas podem ser compreendidas.

Entre espécies diferentes?
Comparações entre espécies já se faz há muito tempo. Mas também entre indivíduos, para identificar variações. Por exemplo, em alguns indivíduos falta um gene, mas outros possuem genes duplicados ou mais cópias. O genoma é muito dinâmico e muito mais complexo do que imaginávamos.

O genoma ainda é um projeto de redes. A infraestrutura existente do Brasil é adequada?
A infraestrutura é boa para realizar vários projetos, como genomas de bactérias e outros genomas pequenos. Mas, para genomas humanos, é extremamente defasada. Recentemente, a China, comprou 200 sequenciadores de última geração, que já mencionei. Eles estão muito dispostos a realizar pesquisa nessa área. Mas para isso precisaram desembolsar muito dinheiro. Esse volume de recurso para tal objetivo ainda não existe no Brasil, pelo menos na área de pesquisa biológica.

Qual o custo desse tipo de equipamento?
Depende do modelo. Mas o preço varia entre 400 mil dólares até pouco mais de um milhão de dólares. Dos sequenciadores que temos na UFMG, um custou 200 mil dólares e outro 140 mil dólares. Eles são de três gerações atrás e faziam bem genoma de bactéria. É essa mesma linha de equipamento que o Brasil tem.

Não há nenhum equipamento da nova geração no país?
Há alguns, mas encontram-se dispersos. Não temos um centro como na China e nos Estados Unidos, por exemplo. Eles fazem inúmeros genomas de uma vez. Isso permite que realizem estudos extremamente complicados. Mas os chineses também estão esbarrando em problemas. E estes são de análise. Porque, novamente, há dados demais de sequência de DNA e montá-los em computador demanda outro investimento. A China percebeu o problema e precisou comprar o computador mais rápido do mundo. Os Estados Unidos estão com receio, mas eles possuem esses centros também. Um projeto importante e arrojado em execução nos Estados Unidos, atualmente, é o sequenciamento de uma espécie de cada família de mamífero. Com esse trabalho esperam entender a função dos genes, porque eles aparecem em várias espécies diferentes.

Como a UFMG está em termos de grupos de pesquisa na área?
A UFMG possui grupos de pesquisa trabalhando com diversas espécies e organismos modelos. Aliás, a maior parte do conhecimento sobre os genes humanos só existe porque outros animais foram estudados como modelos. Por exemplo, muito do que se conhece em embriologia humana veio do estudo de outros organismos. É muito difícil pesquisar o embrião humano, as células humanas.

Excetuando Lupinski...
Mas ele analisou a si mesmo; como alguém vai questionar eticamente isso? Digo, como brincadeira, que ele é meu parente, pois parte do genoma dele eu tenho, e então, ele não poderia fazer isso!

A terapia gênica se destinaria mais ao embrião?
O Lupinski sabe muito bem disso: que esse conhecimento por ele obtido sobre o defeito genético da própria doença não será capaz de curá-lo. É um problema que se originou enquanto ele era zigoto, formando células, embrião, feto... Seria preciso agir no início, com uma terapia gênica. Mas ele pensa no futuro, na possibilidade de “consertar” o gene. Esse é um debate ético, e, portanto, nos leva a pensar: será que isso deve ser feito?

O genoma despertou discussões sobre o uso das biotecnologias, de novas possibilidades para o corpo humano...
Falei da busca de entendimento sobre a variação das sequências dos mesmos genes entre indivíduos. Não se sabe o que isso significa e o que representa no organismo. Porque falta muita pesquisa nessa etapa pós-genômica. Às vezes se imagina que, por estarmos no ano 2010, e já termos conseguido realizar muitas coisas, podemos responder a tudo. Não há como. É tudo muito recente. Na ciência, completamos 150 anos da teoria de evolução biológica, que unificou o conhecimento em biologia e mostrou sua complexidade. Toda a diversidade de proteínas e de espécies têm esse padrão de diferenciação gerada pela evolução, que ainda compreendemos relativamente pouco.

Essa diversidade genética tem impacto na resposta a doenças?
Por sorte, por exemplo, por ter uma determinada variante é que muita gente não vai morrer de Aids. Em torno de 10 a 20% da população mundial é naturalmente resistente à Aids. Possui e transmite o vírus, mas não desenvolve a doença. Pode ser que a parcela desses indivíduos venha a aumentar entre a população. Será que está aumentando a frequência desses genes? Isso é evolução. A Aids está sendo relativamente controlada hoje, mas, se voltar a ser uma pandemia, há maior chance de esses indivíduos resistentes terem mais descendentes do que os outros, daqui a algumas gerações. Esse é o processo de seleção natural.

Há relatos sobre esses casos na África. O dado que mencionou se refere a todas as regiões do mundo?
A África é onde existem mais casos de resistência natural à Aids, porém há ocorrência em outras regiões.

Esse fenômeno não decorre de a pandemia na África também ser maior?
Na verdade a Aids existe lá há mais tempo do que se imaginava. Na África muitos também morrem de Aids. Se estão morrendo, não estão tendo filhos. Logo, está diminuindo a frequência dos não resistentes. Os resistentes estão aumentando em frequência, pois estão tendo mais filhos. Como os filhos deles são geralmente resistentes, vão ter mais descendentes... Também a peste bubônica, na Europa Medieval, encontrou sobreviventes geneticamente resistentes. Hoje se sabe, após diversos estudos, que realmente aumentou bastante a frequência de genes de resistência à peste, porque a maioria dos europeus descende daqueles poucos que eram resistentes. Fala-se que a gripe espanhola também deixou vários resistentes e, por isso, a Europa, em tese, estaria mais protegida de uma gripe similar.

A variação genética está na base dessa sobrevivência a doenças...
É isso que se chama de medicina darwiniana, ou medicina evolutiva. Estamos compreendendo a causa de muitas doenças e processos de resistência porque vemos que ela é comum a outras espécies também.

Darwin então continua presente na era genômica...
Eu diria que o genoma é que demonstra que a ideia da seleção natural é válida. E cada vez mais. Acho que Darwin ficaria muito feliz se estivesse vendo os estudos sobre genoma. O que há de dados para analisar e comparar entre espécies é incrível... Tendo muito menos dados à disposição, chega a ser difícil imaginar como Darwin concebeu uma teoria tão consistente no século 19 e que é válida ainda hoje.

Assessoria de Imprensa UFMG